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Enchente para celebrar aniversário d’A Voz

No ano em que cumprem 141 anos, instituição homenageia Siza Vieira

Mais de 400 trabalhadores, sócios, amigos e representantes de coletividades, sindicatos, partidos e outras organizações participaram no jantar de comemoração

do 141.º aniversário da Sociedade de Instrução e Beneficência A Voz do Operário.

Com o salão cheio, a noite começou com duas canções pela voz dos alunos do espaço educativo da Graça da instituição, uma delas dedicada pelas crianças a Carla Ferreira, a trabalhadora e sócia d’A Voz do Operário que falecera dias antes. Coube a Tiago Goes Ferreira, da RTP, a apresentação da sessão solene no salão de festas da instituição.

Joaquim Baltazar, vice-presidente da Assembleia Geral d’A Voz do Operário, dirigiu algumas palavras à plateia recordando a importante história da instituição. De seguida, foi a vez de Manuel Figueiredo, presidente d’A Voz do Operário, agradecer a todos os que contribuíram para organizar a sessão solene e recordou os 50 anos do 25 de Abril, lembrando as eleições próximas pedindo para que saiam vencedores os “valores de Abril, em prol de uma vida melhor para o povo português”.

Manuel Figueiredo lembrou o homenageado da noite, o arquiteto Álvaro Siza Vieira, que recebeu o título de sócio honorário d’A Voz do Operário.

“A comemoração do aniversário é sempre um ponto marcante na vida d’A Voz do Operário, havendo a tradição de nela integrar a homenagem a uma personalidade de mérito reconhecido, tendo este ano a direção decidido distinguir o arquiteto Álvaro Siza Vieira, figura ímpar na arquitetura nacional e mundial e ao mesmo tempo um grande homem de Abril, com uma muito relevante intervenção cívica”, sublinhou.

Manuel Figueiredo referiu ainda que “passar a contar com um insigne sócio honorário com a grandeza do arquiteto Álvaro Siza Vieira é uma imensa honra para a Voz do Operário”, sublinhando o “muito profícuo serviço prestado aos sócios e à comunidade, com redobrado vigor e a certeza de que, pesem as dificuldades económicas atuais, fruto da redução do apoio público, designadamente na área educativa, a Voz do Operário tem uma longa vida pela frente, mantendo o seu papel de Instituição de referência do movimento associativo”.

Com um minuto de silêncio em memória de Carla Ferreira, o presidente da direção quis, novamente, homenagear uma mulher que deu a maior parte da sua vida à instituição. Uma iniciativa que foi secundada pelo público presente.

Entre os muitos convidados, estavam os cantores Carlos Alberto Vidal, popularmente conhecido como Avô Cantigas, oes resistentes anti-fascistas Conceição Matos e Domingos Abrantes, e o coronel Duran Clemente. No fim, falaram representantes da Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade, da Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto, dos Inválidos do Comércio, da Academia Recreio Artístico, da Casa do Alentejo e da Coligação Democrática Unitária.

A sessão contou ainda com um momento musical protagonizado pela cantora Nani Medeiros, acompanhada por João Pita e Fernando Baggio na bateria e na viola.

“Muito me honra”, agradece Siza Vieira

À distância, por motivos de saúde, o arquiteto Siza Vieira não quis deixar de se dirigir aos presentes com uma mensagem em vídeo. “Estou profundamente grato por essa compreensão e pela entrega, que muito me honra, do cartão de sócio de A Voz do Operário”, afirmou. O arquiteto recordou que este é o mais antigo jornal operário em circulação e que “a sua voz continua e continuará a ouvir-se, para que não se esqueçam ou ocultem os erros do passado nem as conquistas na construção de um futuro melhor”.

Para Siza Vieira, a beleza arquitetónica da sede d’A Voz do Operário, na Graça, é “um grande exemplo para os dias de hoje, em que predomina a opção pelo mais barato”. O arquiteto portuense considerou que a instituição compreendeu que “a beleza não é luxo”. “É a síntese que inclui com harmonia todos os contributos próprios do serviço que é a Arquitetura: a beleza para todos como propôs e realizou a geração dos arquitectos europeus do princípio do século XX. Se a beleza da Arquitectura não consegue existir para todos não consegue existir para nenhum, não existe na Cidade”.

Homenagem de Domingos Lobo, escritor e diretor do jornal A Voz do Operário

A Geometria inquieta de Álvaro Siza Vieira

existe o espaço e o vazio

o infinito céu do olhar

o movimento da cal do sol

a pedra

uma igreja presa num penhasco

etérea sobre o verde

um pátio rectângular entre a geometria das formas

e a alma árabe que percute a fala modelada

o cante melancólico

janelas viradas para dentro

espaço comum dos olhares vizinhos

intimidades que se extravasam na planície

que colhem os odores das urzes

as sombras de setembro

o aconchego dos jardins nesse céu de Serralves

que um lápis poderoso e sensível devolveu ao Porto

um mágico corcel de formas

de vértices

de circunferências dúcteis

de quadros de Nadir Afonso de Júlio Pomar

e de outros viageiros do efémero

por entre o branco e o frio de Chaves

uma gelosia aberta para os campos

verde manto que a neve transfigura

uma pala que balança um sortilégio

entre dois pólos e o Tejo à beira

a Galiza a voz comum erguendo-se

num Centro de Artes

a memória viva a desafiar-nos de porvir

há um lápis fantástico que desenha

no espaço a vertigem das casas

algo bebido na serenidade límpida das palavras

de Eugénio de Andrade ou de António Nobre

algo de transcendente e inquieto

algo de ancestral e perene de Virgílio

de Dante de Camões

algo de abrigo de soalheiro enlace

de luz intemporal intensa

de casas que aconchegam o branco e nele se despem

algo de chão que cresce num vulcânico espaço

algo de trigo de semente de pássaro

de horizontes onde os sonhos habitam

Poema escrito para a Homenagem que A Voz do Operário, prestou a 22 de Fevereiro de 2024, no âmbito dos 141 anos da Instituição, ao arquitecto Álvaro Siza Vieira, atribuindo-lhe o Cartão de Sócio Honorário.

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