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Memória

Lénine n’A Voz do Operário (1911-12): evocação no centenário da sua morte

Ilustração: Luís Alves

Lénine é uma figura maior na história do marxismo. E A Voz do Operário foi pioneira na divulgação da sua obra, em Portugal.

Em 1911 e 1912, este jornal publicou dois relatórios dele para a “2ª Internacional”.

2ª Internacional

Naqueles anos, o jornal A Voz do Operário era publicado semanalmente, com uma tiragem acima dos 50 mil exemplares.

E era um foco na difusão do marxismo em Portugal.

Estava a publicar, em formato de folhetim, duas obras então em voga: O Capital, de Karl Marx, na versão resumida por Gabriel Deville; e A mulher e o socialismo, de August Bebel.

À frente da redação tinha um veterano socialista, José Fernandes Alves. E um dos principais colaboradores era César Nogueira, dirigente responsável pelas relações internacionais do antigo Partido Socialista Português.

Foi com essas ligações que A Voz do Operário publicou dois relatórios de Lénine ao organismo coordenador da “2ª Internacional” – o “Comité Socialista Internacional”.

Lénine vivia então exilado em Paris e era uma presença assídua nas reuniões desse comité, no qual cumpria “rigorosamente“ as suas funções de delegado do “Partido Operário Social Democrata da Rússia”. Segundo relata o historiador Georges Haupt, num estudo sobre “Lénine, os bolcheviques e a 2ª Internacional” [Haupt (1980), L’historien et le mouvement social, p.133].

Massacre do Lena

São textos sobre a Rússia numa fase de reação, depois de o regime czarista ter esmagado a primeira revolução russa, de 1905.

Mas estava-se na véspera de uma viragem.

Em Abril de 1912, as tropas do czar assassinam cerca de 200 trabalhadores das minas de ouro, em Bodaybo. Uma povoação perto do rio Lena, na Sibéria. 

Assim se respondeu a uma greve, no que ficou conhecido como “Massacre do Lena”.

Tamanha violência gerou uma onda de protestos e reavivou a oposição.

1ª Guerra Mundial

Por outro lado, são textos anteriores ao grande desafio que Lénine enfrentou na sua vida: a 1ª guerra mundial (e o descalabro que provocou na 2ª Internacional).

Foi perante esse conflito que Lénine produziu alguns dos seus livros mais relevantes, como O imperialismoO direito das nações a disporem de si próprias e O Estado e a Revolução.

E que se lançou numa nova revolução russa, em 1917.

Deputados presos

No primeiro relatório, Lénine “dirige-se aos socialistas de todos os países”, pedindo a sua solidariedade em apoio dos deputados social-democratas russos que estavam presos há vários anos. E contava o que lhes tinha acontecido.

Embora tivesse conseguido sufocar a revolução de 1905, o regime czarista viu-se forçado a encenar algumas reformas. No ano seguinte, permitiu a eleição de uma espécie de parlamento, sem poder efetivo. Mas dissolveu-o logo, em menos de três meses.

As forças mais à esquerda tinham boicotado essas primeiras eleições. Mas decidiram participar num novo sufrágio, em 1907.

Apesar de todas as restrições do processo eleitoral, o Partido Operário Social-Democrata, numa fase de unidade entre as suas correntes menchevique e bolchevique, conseguiu eleger dezenas de deputados e até terá sido a força mais votada na Geórgia.

Essa bancada “era não só numerosa mas também uma das mais brilhantes”, dizia Lénine: “filha da revolução, vinha cheia de entusiasmo […] ainda toda vibrante da grande luta que vinha de atravessar o país”. E “era a mais revolucionária, a mais consequente e a mais consciente das frações da esquerda”, as quais arrastava na sua órbita. Tornou-se assim um “derradeiro foco da revolução, o seu último símbolo, uma prova viva da grande influência da social democracia sobre as massas proletárias” [A Voz do Operário, 31.12.1911, p.1].

Dessa vez, o parlamento durou 4 meses até ser dissolvido. E os deputados social-democratas foram o principal alvo a abater. A polícia secreta (a “Okhrana”) fabricou uma acusação falsa, para os implicar numa suposta conspiração militar contra o czar.

O caso foi abafado com um julgamento à porta fechada. E a lei eleitoral foi alterada para cortar ainda mais o direito de voto a operários e camponeses. Assim se garantiu a “eleição” de um novo parlamento, devidamente conservador e nacionalista.

Agora, denunciava Lénine, “há quatro anos que os nossos deputados estão encerrados nas ignóbeis prisões russas”.

Conferência no exílio

No segundo relatório, Lénine expõe diversas dificuldades: “Durante três anos o partido não pôde convocar nem um congresso nem uma conferência, e durante dois longos anos o seu comité central não funcionou. O partido continuou a existir, mas sob a forma de grupos esparsos, vivendo um pouco isoladamente”.

Mas também apresenta perspectivas de futuro: “ultimamente nós pudemos, enfim, convocar uma conferência do partido”, a qual teve lugar fora da Rússia. Concretamente em Praga, atual capital checa e então cidade do Império Austro-Húngaro.

Segundo Lénine, “estiveram representadas as organizações das duas capitais [Moscovo e S. Petersburgo], das regiões do norte, oeste e do sul, do Cáucaso e da região industrial do centro – vinte organizações ao todo”, que “se solidarizaram com a comissão de organização, que tinha convocado esta conferência, isto é, a maioria das organizações mencheviques ou bolcheviques existentes nesta ocasião na Rússia” [A Voz do Operário, 31/03/1912, p.1].

Entre outras questões, a conferência de Praga defendeu a necessidade do partido manter a sua organização clandestina dentro da Rússia. Foram eleitos um novo comité central e a redação do seu órgão de imprensa, o «Social-Democrata».

Breve surgia um novo jornal, chamado «Pravda»…

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