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Alcina Lourenço. Uma vida despejada em 10 minutos

Alcina Lourenço, despejada esta manhã, encontra-se neste momento, com associações, dentro do Ministério da Habitação para exigir uma reunião com a ministra.

Lisboa amanhece de lavado depois de um dia passado a chuva. Depois de dar banho ao pai, de 89 anos, Alcina Lourenço aquece água e prepara-lhe o pequeno almoço e a medicação quando é surpreendida por fortes murros na porta. A polícia avisa-a de que se não a abrir têm de a arrombar à força. Do lado de fora, mais de uma dezena de homens fardados e um agente de execução, segundo Alcina, que dá 10 minutos para abandonarem a casa. Do lado de dentro, uma vida inteira para despejar num piscar de olhos. 

Quando A Voz do Operário chega ao número 34 da Rua de Arroios, esta mulher é uma ilha de lágrimas rodeada de caixotes na entrada do prédio. Acaba de cruzar pela última vez a porta da casa onde vivia desde os seis anos de idade. O pai, de cadeira de rodas, aguarda no apartamento de uma vizinha depois de ter sido posto no hall de entrada. De acordo com Alcina, não apareceu nenhum assistente social nem ninguém da autarquia esta manhã que pudesse garantir uma alternativa a esta família. Não sabe onde é que vão dormir esta noite.

O despejo estava inicialmente marcado para 3 de outubro e foi cancelado devido à mobilização de movimentos como a STOP Despejos, a Habita e o Porta a Porta que se juntaram no local para impedir a intervenção policial. “Andei a pedir ajuda a associações e mandei várias cartas ao senhorio mas não me respondeu. Hoje, veio o tribunal e disse-me que tinha de sair”, afirma Alcina à Voz do Operário. “[Há semanas], propuseram uma solução que não dava condições ao meu pai e eu recusei”, justifica.

Alcina vivia com o pai e uma tia desde pequena. A familiar morreu há cinco anos e, como a casa estava arrendada no nome da tia, o proprietário decidiu despejar o resto da família. Quando a polícia lhe bateu à porta, preparava-se para trabalhar. “Faço umas horas para poder sobreviver, além da reforma do meu marido e do meu pai”. O proprietário pediu um aumento da renda e Alcina fez uma contraproposta explicando que tinha o marido doente. Segundo a própria, nunca terá deixado de pagar o aluguer, mesmo com o contrato em nome da tia. Do outro lado da rua, do Areeiro até ao Martim Moniz, sobretudo na Avenida Almirante Reis, multiplicam-se as tendas com pessoas sem abrigo, muitas vezes apenas com um saco-cama.

Em julho, o Público noticiava que os pedidos de despejo por parte de proprietários tinham aumentado 22,6% no primeiro semestre de 2023 face a igual período do ano anterior. Foram 1412 os requerimentos de procedimento especial de despejo que deram entrada no Balcão Nacional de Arrendamento entre janeiro e junho deste ano. Em quatro anos, segundo o Expresso, o número de sem abrigo cresceu 78%. São 10.773 pessoas a viver na rua face aos 6044 de 2018.

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