Em 1975, é criada a empresa pública Transportes Tejo no âmbito da política de nacionalizações iniciada com a Revolução de 25 de Abril, que procurava obter o controlo público sobre setores estratégicos fundamentais para o desenvolvimento social e económico do país. À semelhança de outros processos de nacionalização desenvolvidos na altura, a Transtejo – como viria a ser referida – resulta da fusão dos operadores privados que exploravam as ligações fluviais entre Lisboa e a margem sul, nomeadamente: a Sociedade Marítima de Transportes, Lda; a Empresa de Transportes Tejo, Lda; a Sociedade Nacional Motonaves, Lda; a Sociedade Jerónimo Rodrigues Durão, Herd, Lda e a Sociedade Damásio, Vasques e Santos, Lda.. O Decreto-Lei n.º 701-D/75 de 17 de dezembro que concretizou a nacionalização invocava razões de degradação económica e insuficiência operacional dos transportes, que punham em causa a atividade de transporte fluvial e a oferta ao serviço da população local. A nacionalização era entendida como essencial para assegurar o normal funcionamento de um serviço de transportes que se encontrava fortemente em risco.
O atual modelo operacional dos transportes fluviais no Tejo encontra-se fragmentado entre concessões, consórcios e intermediários. Esta estrutura, ou a falta dela, dilui a capacidade de intervenção direta do Estado, reduzindo-o ao papel de mero fiscalizador. Acresce que a ausência de uma visão estratégica de longo prazo por parte de sucessivos Governos comprometeu o desenvolvimento articulado de políticas de mobilidade e sustentabilidade, essenciais para alavancar a transição energética e defender o interesse público.
No ano previsto para a conclusão do processo de eletrificação da frota, o Plano de Renovação aprovado por via da Resolução de Ministros n.º11/2019 e que previa a entrega faseada de 10 navios elétricos até 2025 ainda está por concretizar. A eletrificação da frota foi alvo de um processo tragicómico, com um polémico concurso pelo meio, cujo objeto consistia na compra de uma frota elétrica que não incluía as baterias. Um concurso que parece ter atropelado o interesse público pelo caminho para satisfazer os interesses económicos das empresas envolvidas num contexto em que se pretende usar a travessia do rio Tejo como palco de um projeto-piloto que “transforma os trabalhadores em cobaias”, como alerta Bruno Dias, da CDU e que tem acompanhado o tema de perto. No ecossistema da União Europeia, a periferia funciona muitas vezes como um campo de testes à disposição do capital e nada melhor do que o Estuário do Tejo, onde circulam cerca de 20 milhões de passageiros transportados por ano – de acordo com os Relatórios de Gestão e Contas da Transtejo Soflusa, S.A. de 2023, 2024.
Em 2024, realizaram-se as primeiras viagens experimentais. O que era entendido como um plano essencial para transformar o transporte fluvial e tornar a Área Metropolitana de Lisboa numa referência na estratégia de descarbonização da mobilidade deu lugar a uma operação confusa que desconsiderou os trabalhadores numa experiência que, tudo indica, não está a ser incrível. Num comunicado de 2024, a União dos Sindicatos de Setúbal/CGTP-IN acusava a Transtejo de transformar o serviço público num laboratório mal amanhado, no que identificou como um ataque à causa pública e às vidas das pessoas que diariamente dependem deste transporte público para se deslocarem entre as margens. Os trabalhadores sinalizavam falhas operacionais nos pontos de carregamento das embarcações, assim como questionavam a capacidade das embarcações enfrentarem ventos superiores a 22 nós, comuns no Inverno. A União dos Sindicatos de Setúbal/CGTP-IN apontava, ainda, a falta de capacidade da Transtejo de gerir a substituição da frota de forma eficiente e eficaz, ao avançar com a nova frota sem garantias sobre a operacionalidade das novas embarcações, pondo em risco a oferta de transporte. Sobraram ainda críticas aos exorbitantes valores já despendidos em prol de uma transição energética que deixa muito a desejar. Um ano volvido desde o comunicado, os problemas sinalizados confirmam-se e persistem com embarcações ainda paradas no cais e pontos de carregamento por concretizar – com 1258 supressões por avaria/falta de manutenção e com o gasóleo a manter-se como principal recurso energético consumido, de acordo com o Relatório de Gestão e Contas da Transtejo Soflusa, S.A., de 2024.
Num panorama que relembra os motivos que impulsionaram a nacionalização em 1975, a falta de estratégia económica e o desinteresse num planeamento eficiente que tenha em consideração a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores da Transtejo e dos que usam o barco como meio de transporte diário são gritantes. Uma transição energética eficiente, justa e inclusiva não depende apenas de inovação tecnológica ou de investimento económico, mas antes de uma estratégia que promova a integração dos trabalhadores e que valorize o seu conhecimento técnico e prático.
