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França instiga agressão ao Níger

Mais de um mês depois da tomada do poder em Niamey pelos militares, a 26 de Julho, o Níger continua ameaçado por uma agressão armada de alguns Estados da Cedeao, incentivados pela França. Mas os novos governantes nigerinos beneficiam de significativo apoio popular e contam com a solidariedade de outros países da região, também governados por militares, como a Guiné, o Mali e o Burkina Faso. Os dois últimos avisaram que combaterão ao lado do Níger em caso de qualquer agressão estrangeira. A Argélia manifestou-se firmemente contra uma intervenção militar e avisou que uma acção desse tipo incendiará todo o Sahel. 

Nestes dias, todas as tropas do Níger foram colocadas em «alerta máximo». O chefe do estado-maior das forças armadas, general Moussa Salaou Barmou, explicou a decisão, em vigor desde o dia 25 de Agosto, como sendo necessária para evitar surpresas e assegurar uma resposta imediata face às ameaças de agressão, cada vez mais evidentes, contra o país africano. 

Os militares nigerinos assumiram o poder a 26 de Julho, proclamaram a destituição do presidente Mohamed Bazoum, detiveram-no e formaram um Conselho Nacional para a Salvação da Pátria (CNSP). Este órgão é chefiado pelo general Omar Tchiani, ex-comandante da guarda presidencial, que assumiu as funções de «presidente de transição» do Níger. 

O CNSP, apoiado nas ruas por milhares de pessoas, justificou a acção de força dos militares alegando a necessidade de travar «a contínua deterioração da situação de segurança» no país e «a má governança económica e social».

O golpe militar em Niamey foi condenado por diversos países (incluindo os Estados Unidos da América e a França, antiga potência colonial, ambos com bases militares em território nigerino) e por organizações internacionais como as Nações Unidas, a União Europeia, a União Africana e a Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (Cedeao), que suspenderam toda a cooperação com o Níger e exigiram a restauração da ordem constitucional.

A Cedeao apresentou um ultimato aos militares nigerinos para que devolvam o poder ao ex-presidente Bazoum e activou uma força armada – constituída sobretudo por tropas da Nigéria e do Senegal –, preparada para intervir a qualquer momento no Níger, embora afirmando não descartar a opção de uma solução política.

Os observadores notam que, mesmo no seio da Cedeao, não há unanimidade quanto a uma eventual intervenção militar. Cabo Verde, por exemplo, um dos 15 Estados membros, condenou o golpe militar e defendeu a reinstalação de Mohamed Bazoum no poder, mas é favorável à negociação e ao diálogo, rejeitando o uso da força. 

O Níger e os seus novos dirigentes receberam apoios significativos.

No país, sucedem-se as manifestações populares contra a ingerência estrangeira, contra a presença militar francesa e contra a exploração de urânio e outro por companhias francesas. Há dias, a associação de municípios e a associação das regiões do Níger expressaram o seu apoio ao CNSP. E, no plano institucional, foi nomeado um novo primeiro-ministro, civil, e formado um «governo de transição».

No plano externo, há inequívocos apoios da Guiné, do Mali e do Burkina Faso, países governados por militares e membros da Cedeao, mas suspensos. Bamako e Uagadugu avisaram que uma possível intervenção no Níger seria considerada uma declaração de guerra contra o Mali e o Burkina Faso. Estes dois países, em tempos recentes, decidiram reforçar laços económicos e militares com a Rússia e expulsaram as tropas francesas estacionadas nos seus territórios, acusando-as de pouco ou nada fazerem para travar a expansão do «terrorismo jihadista» no Sahel. Militares malianos chegaram mesmo a acusar Paris de não só não combater os grupos terroristas como de os financiar e organizar. 

Também o Chade, que não pertence à Cedeao mas que acolhe tropas francesas e norte-americanas e que é dirigido por uma junta de generais chefiada por Mahamat Déby Itno, que substituiu em 2021 o pai, Idriss Déby, opõe-se a uma intervenção armada no Níger. Déby Itno foi, aliás, uma das primeiras personalidades estrangeiras a deslocar-se a Niamey e a encontrar-se com o deposto Mohamed Bazoum, para tentar mediar o conflito com os militares.

Já em finais de Agosto, deslocou-se também à capital nigerina o secretário-geral do ministério dos negócios estrangeiros da Argélia, Lounès Magramane, para quem uma intervenção militar no Níger terá «consequências desastrosas» para esse país e toda a região do Sahel. A missão do diplomata – que o levou também às capitais de Nigéria, Benim e Gana, três Estados membros da Cedeao – enquadrou-se nos esforços do presidente argelino Abdelmajid Tebboune para uma solução negociada da crise. Em Niamey, avistou-se com o primeiro-ministro Lamine Zeine e com os ministros da Defesa, dos Negócios Estrangeiros e da Justiça, sem que sejam conhecidos resultados desses esforços de paz.

Ao mesmo tempo, agravam-se cada vez mais as tensões entre o Níger e a França. 

No dia 25 de Agosto, o governo militar nigerino ordenou a expulsão do embaixador francês, Sylvain Itte, e concedeu-lhe 48 horas para abandonar o país. Mas a França recusou-se a cumprir o ultimato, alegando que tal decisão só pode ser tomada pelo governo «legitimamente eleito» do presidente Mohamed Bazoum.

Crescem, pois, os sinais de que Paris e alguns dos seus aliados na África Ocidental, com o apoio discreto dos EUA, poderão tentar reverter pela força a situação de facto no Níger, alastrando e agravando a guerra e a fome na região do Sahel. 

A França tem tropas, cerca de 1500 efectivos, na sua base aérea em Niamey, tal como os EUA possuem cerca de mil militares, incluindo tropas especiais, na sua base em Agadez, uma das mais importantes bases norte-americanas no continente africano. Essa presença militar garante protecção às companhias francesas, entre outras, que exploram no Níger urânio e ouro, recursos que não querem perder.

Seja qual for a evolução da situação no Níger – tal como no Mali, no Burkina Faso e em mais países –, os recentes acontecimentos comprovam que os povos africanos estão cada vez mais conscientes da necessidade de se libertar quanto antes das amarras neocoloniais que os condenam à pobreza e submissão e impedem o seu desenvolvimento e progresso social.

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