Opinião

Presidente

A política do BCE, ao serviço de quem?

A senhora Lagarde, presidente do BCE, declarou recentemente a possibilidade de novo aumento das taxas de juro, apelando aos Estados para a cessação dos apoios às famílias mais desfavorecidas, culpando igualmente os salários pelo aumento da inflação.

Estas afirmações são um insulto aos portugueses, que na sua generalidade auferem baixos salários, com muitos milhares de trabalhadores e reformados a sofrerem enormes privações. Pois é, para esta senhora o problema está nos salários e no apoio às pessoas mais fragilizadas, como se a culpa da inflação fosse de quem procura os parcos bens e serviços para satisfazer as suas necessidades básicas.

Tudo isto a propósito, dizem eles, do combate à inflação, insistindo na política de elevadas taxas de juro, naturalmente para gaudio da Banca, que assim catapulta os seus lucros para níveis astronómicos, ao mesmo tempo que a grande maioria das pessoas vê a sua vida muito dificultada, inclusive com o risco de perda da habitação.

Mas será que esta política contribui efetivamente para o controlo da inflação? Vejamos em termos práticos o seu efeito no nosso país. Com esta política a habitação ficou bastante mais cara para todos os portugueses que tenham recorrido ao crédito (a esmagadora maioria), sendo que tal tem igualmente um efeito direto no valor das rendas, que tiveram um acréscimo muito significativo.

Ora como sabemos, a habitação tem um peso muito importante no orçamento familiar, pelo que o eventual efeito teórico da redução da inflação nas restantes componentes, é totalmente absorvido pelo aumento dos gastos com a habitação. Mas, como sabemos, esse efeito nas restantes componentes também não se verifica, uma vez que os preços continuam a subir.

Aliás, o caso dos combustíveis é paradigmático, senão vejamos: em julho de 2008 o preço do barril de petróleo ultrapassou os 130 dólares, enquanto hoje ronda os 85 dólares. Pois bem, nessa altura a gasolina custava em Portugal € 1,38/litro e o gasóleo € 1,26/litro e hoje os portugueses pagam pelos mesmos combustíveis mais 33% no caso da gasolina e mais 35% no do gasóleo, apesar de o preço do barril ter baixado 35%.

Então se não é o custo da matéria prima que explica o aumento do custo dos combustíveis, antes pelo contrário, o que justifica os preços praticados? E não, não são os impostos que incidem sobre os combustíveis, porque esses mantiveram no caso da gasolina um peso de cerca de 27% e desceram mesmo de 46% para 38% no caso do gasóleo. Mesmo tendo em conta os naturais aumentos dos custos de transformação, fácil é de ver que a principal maquia do aumento destes preços vai direta para os lucros das gasolineiras e das multinacionais do petróleo.

Mas será que a principal preocupação desta gente é mesmo a baixa da inflação? Podemos ter a este propósito as maiores reservas. Falam em restringir salários e reduzir apoios a quem mais deles precisa, mas nem uma palavra na redução dos subsídios ao grande capital, designadamente em sede de benefícios fiscais, que atingem níveis escandalosos.

Para eles, mais do que um problema, a inflação é um pretexto para as suas políticas, sendo utilizada como um instrumento que permite aumentar ainda mais os lucros dos grandes interesses, ao mesmo tempo que reduz os rendimentos da generalidade da população, constituindo um forte um mecanismo de agravamento das desigualdades. 

Curiosamente, e em aparente contradição com a postura do BCE, vem agora a direita reclamar uma baixa nos impostos. Sim, mas não há nenhuma contradição, porque quem realmente beneficiaria com essa baixa de impostos, nada tem a ver com as pessoas mais carenciadas que sentem na pele a política do BCE. Mas espera lá, então o aumento do rendimento disponível por esta via já não contribui para a inflação?

O que a direita realmente pretende com a propalada descida de impostos é antes de mais beneficiar os altos rendimentos e as grandes empresas e ao mesmo tempo reduzir as fontes de receita do Estado, e deteriorar (ou mesmo acabar) o seu Serviço Público.

Sim, a inflação deve ser combatida, mas com políticas que tenham um efeito real na formação dos preços, a começar pelo combate à especulação e é possível diminuir a carga fiscal sobre os trabalhadores, tributando de forma justa os rendimentos de capital, os quais beneficiam de taxas substancialmente mais baixas do que quem trabalha. Sobre estas matérias (contenção de preços e maior justiça fiscal) têm havido propostas na Assembleia da República, curiosamente sempre chumbadas pelo PS e pela direita.

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