Segundo o executivo, seria contraproducente aumentar salários nesta fase, pois seriam absorvidos pelo aumento de preços que tal prática provocaria.
Acontece que a ligação entre salários e inflação carece de fundamentação, desde logo empírica. Em Portugal, a massa salarial aumentou a partir de 2015, com valores de inflação médios de 0,7%.
Também uma leitura da evolução dos salários reais e da variação dos preços, tendo como base o ano de 2015, demonstra que países com diferentes evoluções salariais tiveram comportamentos na inflação diversos. Analisando duas economias referidas como o “motor da Europa”, verificamos que, quer em França, quer na Alemanha, a evolução da inflação é quase simétrica, com salários a aumentar na Alemanha e a reduzir em França, com variações muito aproximadas do total de assalariados nos dois países.
A inflação cresce, os lucros crescem, as desigualdades aumentam
No nosso país, o aumento da inflação tem uma origem em factores externos que já se verificavam antes da guerra e em elementos especulativos que esta veio potenciar.
Com a pandemia, entre outros factores, as cadeias de produção e essencialmente de distribuição foram interrompidas e ainda não estão totalmente repostas. Num país fortemente dependente do exterior, esta situação causa dificuldades acrescidas no acesso a bens que temos de importar, com impacto nos preços. Por outro lado, com a guerra e as sanções, um conjunto de empresas na área da energia, e mais especificamente nos combustíveis, aproveitaram a oportunidade para aumentar os lucros à conta do aumento dos preços.
As palavras recentes do alto responsável da GALP, Andy Brown, são paradigmáticas. Como refere o Observador, “«Os produtores é que estão a ganhar, não são os distribuidores nem os refinadores». A Galp é as três coisas”.
A EDP distribuiu dividendos superiores a 750 milhões de euros. Dezanove grandes grupos económicos, em 2021, acumularam lucros líquidos de mais de 5,1 mil milhões de euros, cerca de 14 milhões de euros por dia. Em 2020, foram transferidos para paraísos fiscais perto de 7 mil milhões de euros. São valores que traduzem a elevada concentração da riqueza nas mãos de uma minoria e que o Governo não só não combate, como favorece.
Aumento do custo de vida impacta sobretudo camadas mais empobrecidas
O aumento dos preços (mais 5,3% em Março, em comparação com o mesmo mês de 2021), tem implicações mais acentuadas na população de menores rendimentos e é maior nuns produtos que noutros, tendo os transportes (11%) e produtos alimentares (7,2%) verificado os maiores aumentos.
É a população com menores rendimentos a que mais O aumento dos preços (mais 5,3% em Março, em comparação com o mesmo mês de 2021), tem implicações mais acentuadas na população de menores rendimentos e é maior nuns produtos que noutros, tendo os transportes (11%) e produtos alimentares (7,2%) verificado os maiores aumentos.
É a população com menores rendimentos a que mais despende (em proporção do rendimento total) na alimentação. Os 20% com menores rendimentos (1º quintil) gastam quase um quinto do rendimento em produtos alimentares, enquanto os 20% mais ricos (5º quintil) gastam pouco mais que um décimo.
As despesas de alimentação são as mais afetadas em relação ao rendimento familiar
Assim, a inflação afecta mais os que menos têm. Para estes, o aumento do custo de vida é mais acentuado do que o valor que a inflação indicia. Os produtos que mais consomem estão a ter um maior incremento no seu custo que os 5,3% apurados pelo INE para a inflação em Março.
O Orçamento do Estado para 2022 negligencia o agravamento das condições de vida provocado por esta dinâmica dos preços.
O Governo recusa quaisquer medidas que ponham travão ao aumento dos lucros. O ministro da Economia apressou-se a descansar os grandes accionistas e os gestores. Uma eventual taxa sobre os lucros extraordinários não está a ser equacionada. Medidas de fixação dos preços, nem pensar. E seriam precisamente estas medidas aquelas que garantiriam, no imediato, que as populações e as empresas não tivessem de arcar com a manutenção e crescimento dos lucros das empresas destes sectores.
Para travar os preços nos bens alimentares, além de impedir os elementos especulativos no circuito da distribuição, são precisas medidas para garantir – ou que pelo menos aproximar – um nível de soberania alimentar. A política agrícola e piscícola imposta traduz-se na dimensão da dependência face ao exterior, obrigando a comprar lá fora aquilo que deixámos de produzir cá dentro.
Aumento geral dos salários e das pensões é urgência nacional
A valorização dos trabalhadores e do trabalho há muito que prima pela ausência das prioridades dos sucessivos governos PS e PSD.
Por mais que seja propalada a intenção de romper com o modelo assente na precariedade e nos baixos salários, aquilo que se verifica são medidas e uma política que o alimenta e perpetua.
O Governo pode e tem de rever o aumento do SMN, que de “histórico” passou a irrisório para fazer face ao aumento do custo de vida.
O aumento geral dos salários proposto pela CGTP-IN, em 90 euros para todos os trabalhadores, é essencial para responder às necessidades, algumas básicas, que milhares de portugueses não conseguem satisfazer.
Com todas as insuficiências e limitações que caracterizam os últimos anos, os efeitos do aumento da massa salarial na dinamização da economia, na evolução do emprego e no ritmo de crescimento económico, podem ser contrapostos aos tempos da troika.
É uma questão de opção, não podendo o Governo continuar a escudar-se no falso argumento da “espiral da inflação” para manter e acentuar a espiral dos lucros.