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À conversa com Conceição Matos. Um encontro para a cidadania

A escola que procuramos construir assume uma natureza democrática, inspirada por modelos socioconstrutivistas, em que o trabalho de construção social é reflexo de processos de participação ativa no plano coletivo e individual. O trabalho que tem vindo a ser desenvolvido no 2.º ciclo da Escola A Voz do Operário da Graça, do ponto de vista organizacional e metodológico, enquadra-se no paradigma de uma escola para a cidadania, sendo os alunos convidados a participar democraticamente na tomada de decisões sobre a sua vida na escola (as suas aprendizagens, os seus comportamentos, as suas atitudes…). Nas várias disciplinas é valorizada e promovida a construção cooperada das aprendizagens.

Os percursos individuais dos alunos cruzam-se com o trabalho coletivo e ambos são amparados por estruturas assentes na entreajuda, na partilha e troca de saberes, no apoio ao outro, no estabelecimento de parcerias e no confronto de ideias. Vive-se um clima de negociação permanente em que a competição dá lugar à cooperação e à equidade. É neste ambiente de diálogo permanente que procuramos ajudar os nossos alunos a tornarem-se cidadãos conscientes e conhecedores, capazes de refletir criticamente acerca de tudo o que os rodeia, a conseguir ver para além do que é visível. Emergem, assim, fruto das vivências e experiências dos vários alunos, dos seus interesses, bem como dos programas das várias disciplinas, produções de natureza variada como aquelas que partilharemos em seguida.

A partir de um conjunto de trabalhos de projeto iniciados no 1.º período do presente ano letivo, relacionados com a igualdade de género e a participação democrática, surgiram várias propostas apresentadas por diferentes alunos: entrevistas, construção de vídeos e panfletos, visitas a museus. De entre as várias propostas, que vieram a concretizar-se na sua maioria, destaca-se a visita ao Museu do Aljube, a entrevista realizada à dirigente do Movimento Democrático de Mulheres (MDM) Sandra Benfica, a entrevista ao deputado da Assembleia da República Duarte Alves e a entrevista à antiga presa política Conceição Matos, da qual falaremos mais pormenorizadamente.

Em diferentes momentos de trabalho, organizados em pequeno grupo e/ou em grande grupo, os alunos procuraram dar resposta às suas inquietações através da recolha de informação, tratamento da mesma e respetiva comunicação dos resultados da investigação aos restantes colegas. Foi, assim, decorrente das comunicações dos projetos anteriormente referidos (igualdade de género e participação democrática) que os vários alunos ficaram despertos para a situação das mulheres durante o período do Estado Novo e para as desigualdades e injustiças socais a que, ainda hoje, muitas mulheres se encontram sujeitas.

Desta forma, e através de uma proposta apresentada no Diário de Turma de um dos grupos de alunos do 2.º Ciclo, posteriormente analisada e discutida em Conselho de Cooperação (reunião semanal durante a qual os alunos discutem sobre a vida do grupo), decidimos – alunos e professores – convidar uma mulher que tivesse vivido este período da nossa história contemporânea e pudesse partilhar connosco as suas experiências. Ao percebermos que a antifascista Conceição Matos seria a homenageada do presente ano na nossa instituição, decidimos convidá-la para uma conversa.

Durante a preparação do encontro emergiu um conjunto de questões que acabámos por lhe apresentar, entre outras: Em que ano foi presa? Por que motivo foi presa? Sofreu torturas? Qual foi a primeira sensação quando percebeu que iria ser presa? Qual foi a parte mais traumática de estar presa? O que sentia quando estava presa? O que comia na prisão? Esteve presa num curro?.

No dia do encontro com a convidada, os alunos, para além das questões que lhe colocaram, tiveram, ainda, a oportunidade de visualizar o documentário “A Cadeia dos Homens Bons” e de testemunhar relatos impressionantes de antigos presos políticos e do seu dia-a-dia numa prisão do Estado Novo. Do encontro ficou um conjunto muito significativo de aprendizagens, que contribuiu de um modo ímpar para a perpetuação da memória coletiva de um dos períodos mais lúgubres da história do nosso país. Testemunho disso são as palavras dos alunos:

“Estar preso era muito difícil porque havia muitas torturas e não se podia ver os familiares. Eles [os presos] tinham uma grande cumplicidade. Usam o código morse para comunicar entre si. Eram presos por tudo e por nada. Havia pessoas presas constantemente por terem opiniões diferentes das que eram supostas”. (Mónica)

“Achei curioso as pessoas casarem na prisão. Achei interessante a forma como as pessoas se entretinham a fazer peças de xadrez com pão. Eles faziam riscos na parede para terem noção de há quanto tempo estavam lá”. (Arthur)

“Gostámos de aprender como é que os presos trocavam mensagens. Gostámos de ouvir a Conceição a explicar como era difícil a vida antigamente”. (Vários)

“Nós aprendemos várias coisas durante a entrevista, mas as mais marcantes foram a sua história de vida e o documentário do seu marido que foi preso na antiga prisão política, hoje Museu do Aljube”. (Vários)

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