Atlético de Madrid, Real Madrid, Barcelona, AC Milan, Inter, Juventus, Arsenal, Chelsea, Liverpool, Manchester City, Manchester United e Tottenham foram os clubes que anunciaram a nova competição e que estiveram na mira da revolta dos adeptos.
O tema da Superliga Europeia chegou de repente e dominou o debate na última semana de abril. O futebol tem essa capacidade de se impor e o tema, para ser absolutamente franco, parece-me suficientemente importante para que dele se fale e sobre ele se troquem argumentos.
O aparentemente unanimismo em torno da oposição à nova competição e as suas características particulares – a sua natureza internacional e sem ligação às competições nacionais, o facto de ser um clube reservado de emblemas milionários, a origem do seu financiamento no superbanco norte-americano JP Morgan e a linha de argumentação em sua defesa, totalmente centrada na faturação e na necessidade, nunca satisfeita, de mais receitas por parte dos emblemas mais poderosos do futebol mundial – é interessante, mas esconde um enorme edifício de contradições no mundo do desporto, que hoje é um verdadeiro híbrido de características no seio do qual o futebol jogado é cada vez mais um detalhe.
A “Superliga Europeia” é um projecto que se encontra nos antípodas do futebol ligado às comunidades e, em certo sentido, um inimigo mortal do jogo popular, com uma dimensão desportiva e outra recreativa, jogado no campo e disfrutado na bancada, debatido no café, nos postos de trabalho, nas famílias e em todos os lugares onde se encontrarem dois adeptos do jogo. Mas esta “Superliga” não é separável de involuções que desde meados dos anos 90 se verificaram na estruturação das competições internacionais, nas ligações dos clubes ao sector financeiro e especulativo e, não menos importante, no processo de transformação física e humana das bancadas.
A comparação da “Superliga Europeia” com as competições actualmente existentes parece transformar a actual “Liga dos Campeões” num género de competição popular que não é nem foi. Aliás, o argumento do mérito que parece dividir as águas entre a “Champions League” e a Liga dos 12 é uma fábula, um embuste, uma mentira. É que a transformação da “Taça dos Campeões Europeus” em “Liga dos Campeões” – passando a incluir equipas que não são e em alguns casos nunca foram campeãs nacionais – foi na verdade um corte tão extremo com o passado como será este, caso avance.
O futebol de alto rendimento – desportivo e financeiro – deixou de ter no “mérito” o factor de diferenciação entre projectos desportivos, deixou de ter na representação associativa o seu móbil fundamental e deixou de ter na bancada o seu espaço privilegiado de socialização “do” e “no” jogo. O resultadismo passou a exercer uma pressão insuportável sobre os meios e os fins passaram a justificar toda a sorte de aldrabices. Os maiores clubes são antes de mais veículos para o investimento de capitais cuja proveniência é não raras vezes desconhecida. Os sócios transformaram-se em clientes aos quais é exigido apoio – dentro de apertadas regras de comportamento – e retirado poder.
O tema “Superliga Europeia” veio trazer luz sobre o contexto do jogo, aquele acerca do qual os adeptos pouco ou nada reflectem, imersos que se encontram na adrenalina do resultado, no desinteressante e inconsequente debate acerca do lance polémico e na ambição desmedida de mais um troféu na prateleira. Aproveitemos este curto período de atenção sobre a ganância que domina o jogo para lembrar que esta precede qualquer Liga dos 12, e que mesmo no contexto das provas instituídas e aceites há um sem número de factores que lhes retiram verdade, interesse e, de forma cada vez mais evidente, adeptos.
Em Portugal há uma lei das SAD para rever, com urgência. A lei foi imposta nos anos 90, de cima para baixo. Não era uma reivindicação dos clubes, mas a todos se impôs como parte de um processo de privatização crescente da coisa pública e/ou comum que dominou o neoliberalismo português dos anos 90. Quase um quarto de século depois, os resultados estão à vista: clubes centenários que se viram tomados e outros que, controlando formalmente o seu futebol, estão totalmente dependentes dos seus credores. Adeptos atacados na sua condição de verdadeiros “donos do jogo”, sócios afastados do exercício já não apenas do poder mas também da fiscalização e controlo sobre a gestão do “seu” futebol e provas tomadas por interesses laterais ao jogo, que nele vêem um veículo privilegiado para multiplicar operações financeiras.
António Costa, primeiro-ministro de Portugal, encontrou oportunidade e tempo para se vir manifestar contra a Superliga Europeia. Talvez esse tempo fosse mais bem empregue se o utilizasse para questionar o apagado secretário de estado do desporto acerca da urgente, necessária e justa alteração à pantanosa lei das SAD. O PS deve-o ao país desportivo, já que foi com António Guterres no governo e com Miranda Calha como secretário de estado da tutela que se abriu a porta para os mais obscuros interesses tomarem o futebol associativo e o transformarem numa coisa sua.