Opinião

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“Semos?”

“Semos todos irmões, demos
todos as mões” é um trocadilho, um tanto infantil e outro tanto irónico a que uma amiga recorre amiúde, e que agora parece sintetizar a leitura (e reforço… a leitura e apenas a leitura), da realidade que querem impor.

Em situações destas os que mais sofrem são os trabalhadores e as camadas populares.

O perigo do vírus devastador é exibido, não como algo que se sobrepõe a tudo e a todos, mas como algo que é tudo (e o mesmo) para todos. A mensagem de sentido único é isolem-se, recolham-se, nada mais importa, nada mais existe.

Em tempos de tão vincada ofensiva sobre as ideias e os comportamentos convém fazer-se um esclarecimento à cabeça: não, não se desvalorizam os imensos perigos que representa o Covid 19, antes pelo contrário, combatem-se aqueles que não lhe querem dar combate. Sabe-se que em situações destas os que mais sofrem a morte e os que mais duras situações económicas e sociais terão de enfrentar são os trabalhadores e as camadas populares. Por isso, não, não se desvaloriza o perigo deste malfadado vírus. Mas a História ensina que um perigo nunca vem só e que inimigo, que é inimigo figadal, não desaproveita oportunidades de estocar com esperanças letais.

Voltemos ao pobre trocadilho de cacetada na gramática. Querem fazer acreditar que o que antes nos dividia agora se desvanece, o inimigo é só um e contra o vírus marchar, marchar.

Os telejornais contam a história que é pouco inovadora e se multiplica nas redes sociais. Apresente-se a narrativa: o perigo é grande (acrescente-se o drama à medida do apresentador de piquete) e como em todos os enredos similares há as vítimas, os heróis e os malfeitores. As vítimas somos todos nós que respiramos sem saber onde pára esse “vírus Chinês” (e pumba lá está uma estocada); os heróis são os profissionais de saúde, os bombeiros, os polícias…, enfim, a linha da frente que afinal isto é a guerra (estranhos heróis que até há quinze dias mereciam um aumento de 0.3% ao fim de dez anos a ver o vencimento a mingar face ao supermercado); os malfeitores são todos aqueles que num dia solarengo, como caracol, puseram os ditos ao sol. Depois é o loop sucessivo e pelo meio lá se vai mostrando que ali ao lado, nos vizinhos espanhóis, alguém não se portou bem e muita gente se está a dar muito mal. E os italianos, pior, nem falar…. Por isso, aqui que valha tudo: salários, organização do tempo de trabalho, direitos, emprego e o mais que for… Sub-repticiamente, acrescenta-se o medo e a incerteza sobre o futuro que lá vem: recessão, desemprego… e por esta altura já estamos todos a olhar para o lado a cantar “semos todos irmões, eu e os meus patrões”.

Os trabalhadores enfrentam, na verdade, vários perigos distintos: o perigo da saúde pública e, a cavalo nele, os perigos da degradação da situação económica e social que o capital vai aproveitar para acentuar a exploração e potenciar mais uma bolha de oxigénio para a sua própria sobrevivência. Nesta guerra (sim, estamos de acordo, é uma guerra) convém que escolhamos bem os nossos irmãos. No salão d’ A Voz do Operário está lá, bem alto na parede e em letras distintas: trabalhadores uni-vos.

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