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25 de Abril

Abril, mês com nome de revolução

Foi naquela madrugada de Abril que se abriram as grandes avenidas da liberdade para um povo que vivia esmagado há 48 anos pela mais longa ditadura fascista da Europa. No mês em que passam 46 anos da revolução, o mundo enfrenta uma pandemia sem precedentes e é ainda mais evidente a necessidade do controlo público de setores estratégicos. Para enfrentar o vírus e as consequências económicas, Abril continua a não ser passado. É futuro.

Um avanço civilizacional

Quando, em 1976, a Constituição passou a afirmar que “todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover”, abriu-se a porta a um dos mais importantes avanços, só possíveis devido à revolução de Abril. Já em junho de 1975, o 4.º governo provisório, liderado pelo General Vasco Gonçalves, tinha criado, por despacho, “a mais profunda e efetiva medida operacional que estendeu os cuidados de saúde a toda a população, antecipando, na prática, o Serviço Nacional de Saúde (SNS), que viria a ser plasmado” depois na carta magna.

Operava-se, então, uma verdadeira transformação num setor controlado por interesses privados e pelo assistencialismo, num país em que a maioria dos portugueses não tinha acesso a cuidados de saúde. Foi a 15 de setembro de 1979, com os votos contra do PSD e do CDS, que surgiu o SNS, para “garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação, bem como uma racional e eficiente cobertura médica e hospitalar de todo o país”.

Se com a atual pandemia do novo coronavírus até os partidos protagonistas das políticas neoliberais das últimas décadas defendem um maior reforço do SNS, a verdade é que praticamente nunca foi assim. Logo em 1982, o governo conduzido por Pinto Balsemão (PPD-PSD) acabou com o serviço médico à periferia. Daí em diante, os cuidados primários de saúde viveram e vivem em dificuldades. Carlos Silva Santos, em declarações à A Voz do Operário, afirmou que, então, “passam a faltar médicos de forma continuada. Depois de 1982 nunca mais existiu uma cobertura total nos cuidados primários. Ainda hoje temos mais de 700 mil utentes sem médico de família e o enfermeiro de família tarda em ser uma realidade sistemática”, detalha o médico.

Em 1990, foi aprovada uma nova Lei de Bases da Saúde que integrou a ideia da gestão dos hospitais por regras empresariais. Nela previa-se, por exemplo, o apoio ao “desenvolvimento do setor privado da saúde […] em concorrência com o setor público”. Mas foi com Durão Barroso (PSD) que se abriu portas aos protocolos com privados. Mediante autorização do Ministro da Saúde, os hospitais passaram a poder “associarse e celebrar acordos com entidades privadas que visem a prestação de cuidados de saúde, com o objetivo de otimizar os recursos disponíveis”.

Ao longo de décadas, utentes, sindicatos e partidos de esquerda contestaram a descaraterização do SNS e exigiram o fim da promiscuidade entre o público e o privado através da transferência de atribuições, competências e recursos, sobretudo para os grandes grupos privados. Entre 2005 e 2015, os hospitais públicos perderam cerca de 4500 camas, enquanto que nos hospitais privados se verificou um aumento em cerca de 2300, segundo informação divulgada pelo INE. Hoje, o novo coronavírus atinge um país que sofreu com a intervenção da troika, a pedido do PS, PSD e CDS, cortes nas despesas com a saúde superiores a 1300 milhões de euros, ficando 30% abaixo da média da despesa pública em função do PIB na União Europeia (UE). A esta realidade acrescem os baixos salários de profissionais de saúde com rendimentos congelados durante anos e a emigração a levar para outros países trabalhadores que fazem falta no SNS.

Se os sistemas públicos de saúde são o melhor escudo de defesa dos Estados face à pandemia, há países que avançaram inclusive para a nacionalização temporária dos hospitais privados. Na Irlanda, o governo decidiu assumir o controlo público das instalações hospitalares privadas enquanto durar a crise devido ao novo coronavírus. A decisão do governo liderado por Leo Varadkar pretende deixar as instituições privadas de saúde nas mãos do Estado como parte da estratégia de combate ao Covid-19. São cerca de 2 mil camas, nove laboratórios e milhares de funcionários que passam a estar sob a alçada do Ministério irlandês da Saúde, indicou o primeiro-ministro numa conferência de imprensa, de acordo com o The Journal.

E se os setores estratégicos estivessem na mão do Estado?

Para além das consequências da crise sanitária que atinge o planeta, há uma tormenta económica em curso que já deixou milhares no desemprego e muitos outros com cortes nos salários. Os abusos laborais sucedem-se e, novamente, como no período de intervenção da troika, as soluções apresentadas pelo governo respondem mais aos interesses das empresas do que dos trabalhadores. As estruturas sindicais a braços com uma avalanche de casos problemáticos acusam as autoridades de quererem, outra vez, que sejam estes a pagar pela crise.

O facto é que grandes grupos económicos e financeiros amealharam lucros durante anos, antes e depois da crise financeira, sem que os salários no país tivessem avançado significativamente. Hoje, se as remunerações tivessem acompanhado a evolução da inflação e da produtividade, o salário mínimo nacional estaria acima dos 1200 euros, de acordo com a CGTP-IN.

Os ganhos de companhias estratégicas para o país como a EDP, a Galp, a antiga PT e os CTT, entre outras, já não servem para investir no desenvolvimento dos serviços públicos

A verdade é que os lucros de muitas destas empresas que eram anteriormente estatais e que foram vendidas a preços de saldo deixaram de ser públicos. Ou seja, os ganhos de companhias estratégicas para o país como a EDP, a Galp, a antiga PT e os CTT, entre outras, já não servem para investir no desenvolvimento dos serviços públicos. O controlo público dos setores estratégicos, fruto do processo revolucionário encetado em Abril de 1974, foi interrompido numa deriva neoliberal que começou com o golpe contra-revolucionário de 25 de Novembro de 1975 e que acelerou com a entrada de Portugal na CEE.

Ainda mais duro, foi a perda do controlo público da banca, à exceção da Caixa Geral de Depósitos, e com isso a entrega aos privados de um poder desmedido sobre toda a economia e uma influência nefasta sobre a administração política do país. As privatizações começaram em 1989 e os diferentes governos deram prioridade ao setor da banca e dos seguros.

Só o Banco Millennium distribuiu 30,2 milhões de euros aos seus acionistas. O Santander pagou 474 milhões e o BPI 69,3 milhões. Já a Galp, entregou 580,5 milhões de euros aos acionistas. Outra das consequências deste processo foi o desmantelamento do aparelho produtivo nacional em função de uma economia volátil que centrou a sua atividade, nos últimos anos, no setor do turismo. A perda industrial do país, em parte devido às privatizações que levou anos depois ao encerramento de empresas que acabaram nas mãos de capital estrangeiro, favoreceu as grandes potências europeias. Hoje, por exemplo, o país depende de outros países para fabricar comboios, depois da privatização da Sorefame. Mas aconteceu o mesmo noutros setores como a pesca e a agricultura, deixando Portugal na situação de défice alimentar. Segundo a consultora Ernest & Young, Portugal importa 75% do peixe que consome, apesar de ter uma das maiores Zonas Económicas Exclusivas da UE (terceira) e do mundo.

Com a entrada na União Europeia, aumentou a dependência e cresceu o perigo de quebra económica no caso de haver perdas no turismo como tanto alertaram sindicatos e partidos de esquerda e como acaba de acontecer.

Até ao momento do fecho deste texto, a única medida de Bruxelas para enfrentar a crise foi o fim das restrições orçamentais, permitindo que cada país possa usar o seu próprio dinheiro sem limites no combate à pandemia.

Manifestação pela nacionalização da banca, em 1975

Abril é futuro

“Há quem queira fazer marcha atrás/ Há quem queira meter o travão/ Mas o povo acelera e faz/ O caminho da revolução”, cantava-se nas ruas de Portugal em 1975. Nesse mesmo ano, a 14 de março, depois de uma tentativa de golpe de Estado liderada por Spínola, três dias antes, a banca portuguesa e os seguros foram nacionalizados. O Decreto -Lei justificava a nacionalização considerando “a necessidade de concretizar uma política económica antimonopolista que sirva as classes trabalhadoras e as camadas mais desfavorecidas da população portuguesa, no cumprimento do Programa do Movimento das Forças Armadas”. Sustentava ainda que “o sistema bancário, na sua função privada, se tem caraterizado como um elemento ao serviço dos grandes grupos monopolistas, em detrimento da mobilização da poupança e da canalização do investimento em direção à satisfação das reais necessidades da população portuguesa e ao apoio às pequenas e médias empresas”.

Nos últimos anos, os diferentes governos liderados pelo PS, PSD e CDS voltaram a recorrer à nacionalização mas desta vez para usar o dinheiro público para cobrir as despesas da banca. Se é certo que muitos destes partidos, e outros que entretanto surgiram, aparecem usualmente com programas liberais que defendem o emagrecimento do Estado, a atual pandemia fê-los moderar o discurso. Uma vez mais, perante a paralisação da economia, os empresários recorrem ao erário público em busca da bóia de salvação carregando sobre quem trabalha os custos de uma nova crise.

Em tempos de celebrar Abril, mais do que um exercício de memória, importa que os que viveram e os que não viveram a revolução olhem para o acontecimento como um exemplo prático de que quando o povo se une e está disposto a escolher o seu próprio destino, nada é impossível de transformar.

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