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Eduardo Relvas: um mágico n‘A Voz do Operário

Poucas pessoas colaboraram neste jornal ao longo de tanto tempo como Eduardo Relvas. Embora ele o tenha feito de forma intermitente, fê-lo por quase meio século – publicou aqui o seu primeiro artigo em 1929 e o último em 1976. É um nome a recordar nas histórias do movimento sindical, do associativismo popular e das artes mágicas em Portugal.

Horário de trabalho

Eduardo Relvas destacou-se como sindicalista na primeira metade dos anos 1920, no tempo da 1ª República. Chegou a ser presidente da Associação de Classe dos Caixeiros de Lisboa e seu delegado junto da União [local] de Sindicatos Operários. Foi também delegado ao congresso [nacional] da Confederação Geral do Trabalho (CGT) que se realizou em 1922, na Covilhã.
Para o sector dos empregados no comércio, foi uma fase defensiva, em torno da lei de 1919 que limitava o horário de trabalho a 8 horas por dia.
Essa lei conferia alguns poderes de fiscalização aos sindicatos. Eduardo Relvas foi um dos primeiros fiscais. E empenhou-se na tarefa. Chegou a multar a “primeira casa comercial do país”, os Armazéns Grandella. Mas era “uma das leis mais desrespeitadas” no país, pois as autoridades competentes não agiam, a começar pelos tribunais. Pelo contrário: em 1922 uma nova regulamentação da mesma lei veio na prática aumentar o limite legal do horário de trabalho para 10 horas…

Preso político

Ainda no campo do sindicalismo, Eduardo Relvas foi secretário-geral do Cofre de Resistência dos Caixeiros Portugueses, entre 1921 e 1923. Era um fundo de apoio à propaganda sindical e de solidariedade com militantes vítimas da repressão laboral e política.

Ele já tinha sido uma dessas vítimas. Corria um dia de 1920 em Lisboa: a polícia cercou e invadiu a sede do Partido Socialista Português, na rua do Benformoso, com forças de infantaria e cavalaria. Prendeu toda a gente que lá estava, mais de 70 pessoas. Escapou um deputado por ter imunidade parlamentar. Eduardo Relvas passou então 5 dias “nas masmorras da República”.

O “crime” dele tinha sido assistir a um debate promovido pela Juventude Socialista, no qual se expressava desilusão com a 1ª Republica. E a repressão policial não aplacou o descontentamento. No ano seguinte a Juventude Socialista, unida com alguns jovens anarquistas, transformava-se em Juventude Comunista…

Magia

Nessa altura já Eduardo Relvas se dedicava às artes mágicas. Atuou em diferentes palcos, incluindo no movimento sindical.

Havia muito o hábito de sindicatos promoverem iniciativas de cariz recreativo e cultural, ora para angariação de fundos ora pelo convívio entre sócios. Iniciativas como récitas de poesia e espetáculos de teatro amador, por exemplo.

A magia seria uma paixão para a vida e Eduardo Relvas tornou-se prestigiado nesse meio, não apenas em Portugal, mas também em Espanha e no Brasil. Publicou quatro livros sobre a matéria. Em 1949 organizou um certame nacional de ilusionismo; em 1923 fundou, na sede do sindicato dos caixeiros de Lisboa, o Grémio Mágico Português…

Associativismo

Outra paixão na vida de Eduardo Relvas seria o associativismo popular.
Foi um destacado precursor da atual Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto – ao lado de outros “obreiros” d’A Voz do Operário como Júlio Silva, Raul Esteves dos Santos e Alberto Monteiro. Esteve entre os dinamizadores dos congressos de coletividades realizados em Lisboa em 1924 e 1934, além de ter sido secretário-geral da então Federação das Sociedades de Recreio e autor dos respectivos estatutos.

A associação de base que ele representava nessas tarefas era o Grupo Dramático e Escolar “Os Combatentes”, na qual foi ativo ao longo de décadas. Era um entusiasta da “obra educativa, de solidariedade e de recreio ali levada a efeito”. Em particular da escola primária que esta associação criou e manteve durante muitos anos, “filha dos sacrifícios dispendidos pelos sócios, na sua grande maioria proletários”.

A difusão do ensino seria mais uma paixão para Eduardo Relvas, num país tão atrasado pelo analfabetismo. Num discurso em 1936, “exaltou a maneira como o povo trabalhador se organiza[va] para difundir a instrução, visto que as escolas oficiais não chega[va]m para atender à massa em idade escolar”. Esta era uma referência a muitas associações, mas em especial à maior de todas: A Voz do Operário…

A Voz do Operário

Aqui, além de colaborador do jornal, Eduardo Relvas foi membro da comissão de pareceres em 1926/28 e 1º secretário da assembleia geral em 1928/30. Passou depois a funcionário, trabalhando muito tempo como responsável pelo serviço funerário que esta sociedade então prestava a sócios e familiares.

Em 1933 foi um dos fundadores e presidente da assembleia geral do Sindicato do Pessoal da Sociedade A Voz do Operário, além de seu delegado junto da Federação das Associações Operárias de Lisboa. Mas esta experiência apenas durou alguns meses, pois logo a ditadura de Salazar proibiu e dissolveu os sindicatos livres.

Eduardo Relvas foi também vice-presidente da cooperativa A Padaria do Povo. Natural de Lisboa, viveu entre 1896 e 1977.

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