Como é que surgiu a ideia deste Espaço Memória?
A CGTP-IN há muito que tem como preocupação o tratamento e preservação da sua documentação e espólio.
A evolução deste trabalho fez com que cada vez fossem mais os materiais e maior a necessidade de os juntar num espaço onde fosse possível dar-lhes a visibilidade e tratamento que merecem.
Desta necessidade e do encontro de vontades e disponibilidades, nasceu a ideia deste espaço no Seixal. Assim, foi possível assinar, em 31 Maio 2018, um Contracto de comodato, que está na origem do Espaço Memória.
Em termos concretos, o que se pretende preservar aqui e de que forma vai ser usado este espaço?
O Espaço Memória – Centro de Arquivo, Documentação e Audiovisual irá gerir o património documental e museológico da CGTP-IN e promover iniciativas que fomentem o estudo, investigação, aprofundamento do conhecimento e a reflexão em torno da história do movimento operário e sindical. Irá funcionará, também, como um espaço multifuncional, com áreas destinadas a exposições permanentes e temporárias, conferências e iniciativas afins, bem como com a realização de eventos de natureza sindical e cultural, entre outros.
O espaço onde ficará localizado – a antiga “Fábrica de Cortiça L. MUNDET & Sons” (Fábrica da MUNDET) – tem forte ligação às raízes históricas do mundo do trabalho e sociais do Seixal, por via da actividade e intervenção do movimento operário ligado à indústria corticeira, nomeadamente pelos Sindicatos da Indústria Corticeira da CGTP-IN.
Há algum objecto que tenha uma história de grande significado por trás que queiram contar?
Todos têm grande significado, sejam eles os metros lineares de documentação entres os quais se encontra o documento mais antigo que temos à nossa guarda e que se trata de uma acta de reunião da Associação de Classe dos Soldadores de Lagos, do ano 1897, que mais tarde dá origem ao Sindicato das Conservas do Distrito de Faro. Também podemos destacar a pintura a óleo sobre papel do Sérgio Ribeiro, que esteve exposta na exposição de Artes Plásticas que realizámos em trono do 50 Anos da CGTP-IN.
No fundo, cada peça, cada documento, marca a história da luta dos trabalhadores.
A memória histórica deve ser uma preocupação do movimento sindical?
Sem dúvida e de forma acrescida nos tempos de hoje, com tanto revisionismo, falsidade e mesmo branqueamento dos acontecimentos, torna-se indispensável contar a verdade, dizer como se passaram as coisas.
Não é de agora a procura em esbater o papel determinante dos trabalhadores e do povo na conquista de direitos e, em inúmeros casos, negligenciar o papel do próprio patronato na promoção da repressão.
Temos de ter presente que foi pela acção de milhares de mulheres e homens que nos antecederam que hoje é possível ter direitos, alguns deles que consideramos básicos, mas que há 50 anos não existiam. Direitos laborais como o da liberdade de organização e da livre organização dos sindicatos, o salário mínimo nacional, o direito a férias pagas, o direito àgreve, entre tantos outros forma conquistados através de uma intensa. Mas não só no campo laboral, também nos direitos económicos, sociais, culturais e políticos, foram os trabalhadores e o povo os grandes construtores do que hoje temos e alguns ameaçam.
A memória histórica não é, para nós, um simples enumerar dos feitos e conquistas alcançadas, mas acima de tudo um elemento que temos presente na luta de todos os dias. Aprendemos com os êxitos, mas também aprendemos a melhorar com experiências passadas.
A acção dos sindicatos que dão corpo à CGTP-IN e ao Movimento Sindical Unitário, têm nesta memória histórica vivida, um elemento central.
Passam 50 anos da revolução de Abril e 54 da vossa central sindical, dois acontecimentos alvos de grande disputa por historiadores, meios de comunicação social e partidos políticos dentro de um contexto de pressões do campo reaccionário. Sentem dificuldade em contar a vossa própria história?
É verdade e vem na sequência do que falávamos. Com o passar do tempo, com a evolução natural da vida, muitos dos que viveram e fizeram o 25 de Abril começam a não estar entre nós, facilitando a vida para os que querem “martelar” a história. O 25 de Abril não é uma Revolução neutra. A Constituição que dele brotou tão pouco. Os trabalhadores e o povo assumem um papel central, seja ao nível dos valores, seja nas conquistas.
Convém lembrar que o país, durante o fascismo, era controlado por “meia-dúzia” de famílias que detinham grandes grupos económicos e financeiros, suportavam a ditadura e esta agia defendendo os interesses desta minoria. A conquista de direitos colectivos e individuais dos trabalhadores e do povo, nos planos que já falámos, implicaram a perda de regalias desta minoria. As nacionalizações dos sectores estratégicos, a reforma agrária, as funções sociais do Estado, na educação, saúde, no poder local e nas outras esferas, implicou a perda de influência dos que suportavam e se serviam do regime fascista.
Apresentar o 25 de Abril despido destas dimensões visa, nos dias de hoje, legitimar o processo de retrocesso que se tem verificado nestas áreas, visa legitimar que direitos sociais de todos, sejam transformados em áreas de negócio para alguns, muito poucos.
Não estamos, portanto, num campo em que seja difícil “contar a nossa própria história”, mas antes num em que a difusão e percepção que se tenta incutir por via da comunicação dominante, está esvaziada de conteúdos e significado e cheia de deturpações e falsificações.
Já em relação aos 54 anos da nossa Central, os ataques não são novos nem originais… convém não esquecer os que “queriam partir a espinha à CGTP-IN”. Cá estamos, com a mesma natureza, com os trabalhadores e pelos direitos.
Há uma discriminação no acesso a esse debate mais académico e mediático?
Há claramente uma discriminação no acesso a este debate. O mundo académico e o espaço mediático não estão imunes às pressões, influencias e direcção que o capital lhes tenta incutir.
É um campo central da batalha ideológica e, nos dias de hoje, um espaço ocupado pelo pensamento único.
Há uma ligação das lutas do presente com as lutas do passado? De que forma é que isso se expressa?
Há uma ligação directa. Mesmo quando falamos dos 54 anos da fundação da CGTP-IN, temos de ter presente que esta Central tem as suas raízes e assenta os seus princípios nas gloriosas tradições de organização e de luta da classe operária e dos trabalhadores portugueses.
A declaração programática presente nos nossos Estatutos, é sintomática e aí afirmamos que “ao longo de mais de um século de existência, vivido nas condições mais diversas, o movimento operário português acumulou uma vasta experiência colectiva própria que, enriquecida pelos ensinamentos, história, e pela acção do movimento operário internacional, lhe permite afirmar-se como força social determinante na defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores, na resolução dos problemas nacionais, nas tarefas da construção de uma sociedade mais justa e fraterna e no reforço dos laços de solidariedade entre os trabalhadores de todo o mundo.
A CGTP-IN, conquista histórica do movimento operário português, é legítima herdeira e continuadora da luta heróica dos trabalhadores.”
A forma como este acumular de experiência se expressa, reflecte no dia-a-dia, no contacto com os trabalhadores, no ouvir, discutir e apontar soluções, nas formas de luta que a cada momento, em cada situação concreta, vamos definindo.
Com o processo de integração capitalista e entrada na União Europeia, diferentes governos procuraram criar legislação para dificultar a participação social e a actividade sindical. Quais são os principais obstáculos que se apresentam hoje ao sindicalismo?
É verdade o que diz, apesar de, quer a nível europeu, quer no plano nacional, se propalar os benefícios do “diálogo social” ou a importância dos sindicatos, mas, ao mesmo tempo, se criarem entraves que tentam condicionar a acção sindical.
Quando hoje, numa empresa, o sindicato tenta entrar em contacto com os trabalhadores, algum patronato impede que tal aconteça, como se a liberdade sindical fosse algo que não cabe dentro da empresa. Não aceitamos, combatemos e agimos para contornar estas tentativas, bem como afrontamos sem medo a tentativa de condicionar ou penalizar quem luta pelos direitos.
Mas também, no plano do tal “diálogo social”, não podemos deixar de denunciar as sucessivas e negativas alterações à legislação laboral, nomeadamente as que se referem á contratação colectiva.
A contratação colectiva é, se nos quisermos referir neste plano, a mais importante forma em que se expressa e efectiva o “diálogo social”. A caducidade, introduzida em 2003 e aprimorada em versões ulteriores face à resistência dos trabalhadores, dá a possibilidade aos patrões de unilateralmente declararem que a quase totalidade dos direitos inscritos numa convenção deixam de existir. Uma arma de chantagem permanente durante os processos negociais de revisão das convenções, mas também perante cada reivindicação que é feita. Ao mesmo tempo, o princípio do tratamento mais favorável garante que o disposto numa convenção colectiva não pode ser pior para o trabalhador que o determinado pela Lei geral. A negação deste princípio está a ter implicações profundas nos conteúdos das convenções assinadas por sindicatos fora do MSU, em que o patrão usa a contratação colectiva para ir mais longe do que o Código do Trabalho permite.
A articulação destas duas normas produz um brutal condicionamento na efectivação do direito
de contratação colectiva e são um entrave objectivo colocado e mantido por sucessivos governos.
Revogar estas e todas as normas gravosas aos direitos de quem trabalha, tem de ser uma luta de todos os trabalhadores.
No presente, faz-se a história do futuro. Quais são as lutas que se avizinham nos próximos tempos?
A situação do País continua marcada pelo agravamento das condições de vida da maioria da população, fruto dos baixos salários e reformas e do aumento do custo de vida, onde os custos com a habitação e a alimentação assumem um peso esmagador. Ao mesmo tempo, os grandes grupos económicos acumulam cada vez mais riqueza à custa da exploração.
O patronato, consciente de um favorecimento crescente, bem expresso, por exemplo, nos “acordos” assinados por este e anteriores governos, que mantêm e agravam os principais problemas dos trabalhadores e lhes garantem mais e maiores benefícios fiscais, ataca os direitos e a contratação colectiva dos sindicatos da CGTP-IN, bloqueia as negociações, promove a estagnação e desvalorização dos salários, carreiras e profissões, sempre em busca de mais lucro.
O aprofundamento da política de direita, levada a cabo pelo governo PSD/CDS, leva mais longe o favorecimento descarado do grande capital, abrindo caminho para o aumento da exploração e o retrocesso de direitos. A proposta de Orçamento do Estado para 2025 (OE) apresentada pelo governo, está subordinada às imposições da UE e é um exemplo claro do desenvolvimento desta situação. Um Orçamento feito à medida dos interesses do grande capital.
É neste contexto de grande ofensiva contra os trabalhadores que a luta assume extraordinária importância e se insere a “Acção Nacional de Mobilização, Reivindicação e Luta”, em desenvolvimento desde o dia 7 de Outubro, que vai ter expressão de luta geral no dia 9 de Novembro na grande Manifestação Nacional a realizar em Lisboa e no Porto.
Encaramos o dia 9 de Novembro, não como o culminar, mas como parte de um processo de resistência contra a ofensiva aos direitos e de luta pela elevação das condições de trabalho e de vida no nosso país.