Sociedade

50 anos 25 Abril

Transportes Públicos: a Revolução, as energias que libertou, os avanços que permitiu

A Revolução do 25 de Abril libertou um conjunto de energias que o fascismo, o capitalismo monopolista, a submissão ao imperialismo e a guerra estavam a travar. O carácter profundamente democrático das transformações revolucionárias vai evidenciar-se nas dificuldades que a contra-revolução teve em inverter o rumo libertador, com alguns dos avanços a serem mesmo materializados quando o poder político já estava colocado ao serviço da contra-revolução, e com muitas das conquistas alcançadas a serem defendidas com sucesso até hoje.

Em 1975 dá-se a nacionalização dos sectores estratégicos – onde se incluiu toda a Ferrovia, a Carris, a Rodoviária Nacional (foram nacionalizadas todas as empresas com mais de 100 autocarros), o transporte fluvial – que inicia um conjunto de processos de reorganização, saneamento financeiro, modernização e reorientação das empresas para o serviço público, e de modernização da infraestrutura e do material (acaba o comboio a vapor, por exemplo).

Entre 1976 e 1980, vai ser criado o passe social intermodal em Lisboa e concelhos limítrofes (os passes L, reunindo o conjunto dos transportes nacionalizados – Carris, ML, Transtejo, CP, Rodoviária Nacional), e vão ser introduzidos passes na generalidade do sistema nacional de transportes. A intermodalidade e a significativa redução de preço na utilização regular vão levar a um aumento muito significativo da mobilidade.

Em 1976 toma posse o primeiro Governo Constitucional, e inicia-se o processo contra-revolucionário. Ao mesmo tempo que em questões estratégicas – a Indústria, a Banca e a Comunicação Social – os governos avançavam para a acelerada reconstrução do capitalismo monopolista, continuavam a ser concretizados avanços nas áreas dos serviços públicos, cujo carácter social não foi colocado em causa inicialmente. Realizam-se um conjunto de investimentos públicos nas frotas e na rede de transportes.

Com o avanço do processo contra-revolucionário e a entrada na União Europeia – então CEE – em 1986 os próprios serviços públicos ficam colocados em causa, e começam os processos de liberalização e privatização. O passe social intermodal começa a ser desvalorizado, aparecendo os passes combinados, que reduziam muito a oferta a troco de uma ligeira redução no custo. A CP começa a ser desmantelada, seguindo o esquema imposto a partir de Bruxelas. A Rodoviária Nacional é privatizada e pulverizada. Intensificam-se os processos de redução de trabalhadores – com externalização crescente de funções e o aumento da exploração e da precariedade – com a correspondente redução na qualidade e fiabilidade da oferta.

Nos anos 90 do século passado o poder contra-revolucionário começa a assumir que os transportes devem ser apenas uma mercadoria mais: os transportes públicos são algo de secundário, um negócio que o Estado deve procurar apoiar. A prioridade é dada à rede viária, ao transporte individual. O Estado começa a assumir o objectivo de privatizar o conjunto das empresas públicas de transportes públicos. Os apoios vão sendo reduzidos e substituídos por empréstimos para fazer crescer a dívida. Os investimentos na infraestrutura destinam-se, quase sempre, a apoiar processos de liberalização. Surgem as PPP. A nova linha sobre o Tejo, construída pela REFER pública vai ser entregue à exploração privada. Centenas de quilómetros de ferrovia são desactivados. O objectivo formal é colocar as empresas a dar lucro para as poder entregar à gestão privada. Caem a pique os índices de utilização dos transportes.

São anos de luta intensa. A cada nova ofensiva privatizadora ou desagregadora a luta dos trabalhadores ergue-se, determinada. A luta dos utentes cresce. As questões ambientais vão ganhando peso. A realidade material recoloca os transportes públicos como uma necessidade que exige intervenção pública, não será «o mercado» que irá realizar o conjunto de investimentos necessários para alargar e modernizar a rede de transportes públicos. Mas o modelo neoliberal só permite ao Estado investir para que o privado explore. Aposta-se no paradigma da concorrência quando só o plano e a coordenação intermodal fazem sentido.

Em 2015, a derrota eleitoral do Governo PSD/CDS que executara o Memorando de Entendimento (PS/PSD/CDS e BCE/UE/FMI), a força da luta dos trabalhadores e dos utentes e a iniciativa política do PCP, vão permitir uma nova mudança de paradigma. São travadas as privatizações em curso. O Governo assume a necessidade de reforçar o investimento público nos transportes públicos. Em 2019 é conquistado o alargamento do passe social intermodal a toda a AML e a todos os operadores na AML. Com o PART, esse movimento alarga-se à AMP e a todo o país. Uma gigantesca redução do preço vai voltar a tornar atraente a utilização dos transportes públicos e a procura cresce.

O crescimento da procura vai no entanto esbarrar numa dificuldade: a incapacidade de fazer crescer a oferta. Nos sectores já liberalizados – como o transporte rodoviário de passageiros fora das grandes cidades – o país é obrigado a mergulhar em sucessivos e infindáveis concursos públicos, as autarquias são chamadas a investir cada vez mais, e a pulverização e desorganização que daí resulta esconde a realidade do crescente domínio das multinacionais – e a oferta não corresponde minimamente ao investimento realizado. Nos sectores ainda em processo de liberalização as dificuldades são igualmente gigantescas. Na ferrovia, as obras arrastam-se e os concursos para a compra de comboios são maratonas que muitas vezes acabam mal. As empresas públicas tem as mãos amarradas e os pés cortados. A liberalização é o caos, a descoordenação, a submissão nacional ao único plano autorizado – o do capital, o da multinacional.

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