É um dos mais importantes desafios que a humanidade tem pela frente. Reverter as alterações climáticas podia ser um bom pretexto para unir esforços de todas as partes mas, como em todos os aspetos da vida, há uma minoria que não quer abandonar este modelo ou está apostada em construir outro que preserve a religião do lucro. Chico Mendes afirmou que “ecologia sem luta de classes é jardinagem”. Apesar das mobilizações, governos e empresas continuam de costas voltadas para as populações.
Um dos símbolos da comida rápida, a gigante McDonald’s, anunciou a mudança do tradicional vermelho para o verde. “Com esta nova aparência queremos clarificar a nossa responsabilidade com a preservação dos recursos naturais. No futuro teremos um foco ainda maior nesse contexto”, anunciou a multinacional norte-americana. São cada vez mais as empresas que adotam na sua linguagem de marketing um discurso “amigo do ambiente”. Mas nem sempre o que se comunica corresponde à realidade.
Greenwashing é um dos termos veiculados pelos ativistas que lutam pelo clima para identificar o discurso ou práticas de empresas, instituições ou personalidades que apresentam uma ideia ou um produto como sendo amigo do ambiente quando, pelo contrário, a sua atividade geral vai em sentido oposto.
Foi o caso da Galp que patrocinou a cobertura da revista Visão à Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas em Glasgow, que ficou conhecida como COP26. Mas a influência dos grandes grupos empresariais que lucram com os combustíveis vai mais longe. Greenwashing [lavagem verde] também se aplica, segundo a Global Witness, ao que se passou dentro do encontro que atraiu os holofotes da imprensa. Esta ONG, criada em 1993 para investigar vínculos entre a exploração de recursos naturais e conflitos, pobreza, corrupção e abusos de direitos humanos a nível mundial, denunciou haver mais representantes com acreditação ligados aos lobbies da indústria de combustíveis fósseis do que o Brasil, a maior delegação presente na conferência.
“Se o lobby dos combustíveis fósseis fosse uma delegação de um país na COP seria a maior com 503 delegados, mais duas dúzias do que a maior delegação nacional. Mais de 100 empresas de combustíveis fósseis estão representadas na COP com 30 associações comerciais e organizações de membros também presentes”, afirmou a ONG em comunicado. “O lobby dos combustíveis fósseis na COP é maior do que o total das oito delegações dos países mais afetados pelas alterações climáticas nas duas últimas décadas: Porto Rico, Mianmar, Haiti, Filipinas, Moçambique, Bahamas, Bangladesh, Paquistão”.
Mas as críticas não ficaram por aqui. Dos milhares de representantes acreditados de organizações não governamentais, apenas quatro puderam estar nas negociações. Os restantes apenas tiveram acesso aos eventos paralelos à COP26.
Esta desproporção na correlação de forças entre associações e organizações que procuram uma solução justa e eficaz para emergência climática e os grandes grupos económicos e financeiros também se deu entre as grandes potências e os países pobres. Numa conferência de imprensa à margem da COP, o representante do grupo que reúne os 47 países mais pobres do mundo, o butanês Sonam Wangdi, recordou que estes países, que representam mil milhões de pessoas, precisam de “mais apoio para adaptação”, do que os 100 mil milhões de dólares anuais que em 2009 os países mais desenvolvidos se comprometeram a contribuir anualmente até 2020.
Para a ecologista Mónica Cabaça, Glasgow foi um fiasco. “A meta até 2030 ficou na redução de 30% das emissões de metano, uma das principais responsáveis pelo aquecimento global, mas o mercado de carbono ficou fora da discussão”, considera. “A redução de emissões de gases de estufa através do mercado de carbono, torna-o num negócio. Aos países ditos desenvolvidos, com mais emissões destes gases, aplica-se o princípio do poluidor pagador. Ou seja, é-lhes permitido poluir mediante pagamento de licenças e projetos ‘verdes’ nos países mais pobres”.
Joana Guerra Tadeu, criadora de conteúdos na área da ecologia e do impacto social, com um programa na Antena 3, recordou à Voz do Operário que, segundo a Cimeira de Paris, os países desenvolvidos iam pagar pela transição energética dos países pobres mas “não cumpriram com os valores acordados”. E era sob a condição de estes países implementarem o modelo de desenvolvimento do Ocidente, “um modelo que falhou nos países mais ricos e que deixou o mundo todo em situação de emergência climática”. Lembra também que se aponta, geralmente, o dedo à China quando o gigante asiático, segundo dados de 2017, se encontrava em 35.º lugar na lista dos países que mais emissões fazem por habitante. A Austrália encontra-se em 9.º, o Canadá em 10.º e os Estados Unidos em 11.º. Sendo certo que a China produz 28,2% dos gases com efeitos de estufa, acima dos Estados Unidos com 15,5%, Joana Guerra Tadeu sublinha que uma boa parte das empresas norte-americanas e europeias instalaram no país do extremo oriente as suas principais fábricas. É o caso da Amazon, que paga impostos nos Estados Unidos mas tem 3/4 da produção na China.
Encurtar a vida dos produtos para forçar o consumo
O modo de produção e consumo capitalista é apontado como responsável pela maioria das emissões, pela exploração ilimitada do planeta e a destruição sistemática de ecossistemas. Uma das estratégias empresariais mais nocivas para o ambiente é a obsolescência programada dos produtos. Ou seja, a decisão intencional do fabricante de desenvolver um determinado produto de forma a que se torne obsoleto ou não funcional em pouco tempo de forma a obrigar o consumidor a adquirir uma nova versão do produto. Os recursos necessários para que uma parte da população se veja obrigada a adquirir com alguma regularidade máquinas de lavar a roupa, telemóveis, portáteis, televisões e impressoras, entre outros produtos, expõe o planeta a elevados níveis de saturação. Segundo a Global Print Network, a humanidade precisa hoje do equivalente a 1,7 planetas Terra para adquirir os recursos necessários para o atual nível de consumo e para absorver o lixo que é produzido, de forma desigual entre países e entre classes.
Com os governos muitas vezes a apontarem o dedo aos consumidores, o PCP apresentou em 2019 um projeto com o objetivo de estabelecer medidas de promoção da durabilidade e garantia dos equipamentos para o combate à obsolescência programada partindo do princípio de que “não é razoável, nem justo que sejam concentrados esforços sobre os hábitos de consumo das populações sem que sejam exigidas normas mínimas de combate à obsolescência aos grandes produtores de bens”, como referia o documento. “Colocar a escolha única e exclusivamente do lado do consumidor não assegura o fim da produção desnecessária, nem responsabiliza o lado da oferta, na medida em que visa apenas criar um novo mercado para elites económicas”, consideravam os comunistas.
Nesse projeto, o PCP propunha uma garantia mínima de dez anos a fabricantes de grandes e pequenos eletrodomésticos, viaturas e dispositivos eletrónicos. Também referia a necessidade de que os produtos “cuja vida útil pode coincidir com a durabilidade total do produto devem ser projetados e construídos de forma a possibilitar a sua desmontagem e a substituição de componentes”. Para tal, apresentava-se uma rede de reparadores locais, “identificados por setor de atividade, apoiando a implementação de micro, pequenas e médias empresas acreditadas no âmbito da reparação”. O objetivo era promover o menor consumo possível reciclando o mais possível mas a proposta foi chumbada na Assembleia da República.
Descarbonizar carbonizando
A Galp desligou a última unidade de produção da refinaria de Matosinhos em 30 de abril deste ano, com a decisão de concentrar as operações em Sines. A empresa petrolífera justificou a decisão do encerramento da refinaria de Matosinhos com base numa avaliação do contexto europeu e mundial da refinação, bem como nos desafios de sustentabilidade, a que se juntaram as características das instalações. Para trás fica um investimento público de 500 milhões de euros. Parte dos cerca de 1.500 trabalhadores foram para o desemprego depois deste anúncio mas calcula-se que a perda de emprego indireto possa chegar aos 7 mil.
Para Mónica Cabaça, a decisão da Galp “é uma farsa” e explica que “fechar uma refinaria sem ter uma alternativa não significa descarbonização” porque não se passou de combustíveis fósseis a combustíveis verdes. “Passámos a importar, perdemos a produção cá e importamos combustíveis fósseis de outro lado. Portanto, isto até aumenta a poluição. Ou seja, o ambiente e as alterações climáticas são globais e o fecho de uma refinaria neste universo não contribui para a diminuição das emissões”, considera. E aponta soluções que não foram adotadas. “O fecho da refinaria de Matosinhos não contribui para uma efetiva transição justa, isto porque não é acompanhado de um investimento na ferrovia, por exemplo, que iria tornar-nos menos dependentes do combustível fóssil para o transporte individual, ou da aposta na indústria das energias renovaveis”.
Com o encerramento da Central Termoelétrica do Pego a 30 de novembro, o governo anunciou que se tratava de um dia histórico. O ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, considerou em entrevista à RTP “muito relevante” o dia que marca o fim da utilização de carvão para produção de eletricidade em Portugal. Mas dias antes chegaram sinais de preocupação por parte dos trabalhadores da refinaria de Sines sobre a possibilidade do encerramento desta unidade. “Significaria mais um passo a caminho do desastre económico e social”, afirmou a Fiequimetal, estrutura sindical que representa estes trabalhadores, que está contra qualquer encerramento sempre e quando não houver “alternativas concretas e sustentáveis”.
A Fiequimetal defende que o país ficou “mais fragilizado” com os encerramentos da central termoelétrica de Sines, no princípio do ano, e do complexo petroquímico de Matosinhos. O saldo importador de eletricidade, nos últimos três meses, “situou-se acima dos 22%. Ou seja, é importada energia elétrica gerada em centrais a carvão que emitem, em Espanha ou em França, dióxido de carbono que o governo diz querer reduzir em Portugal. Do mesmo modo, em resultado do encerramento da refinaria em Matosinhos, verificou-se já a necessidade de importar 40 mil toneladas de gasóleo”.
Com um investimento sem precedentes para a transição energética com fundos da União Europeia, os trabalhadores olham com incerteza para o que aí vem. A própria Fiequimetal sublinha que partilha das preocupações em torno das alterações climáticas e admite a necessidade de transição para uma economia “com menores níveis de intensidade carbónica” e com “menos agravos ambientais”. Para o futuro fica a dúvida sobre se os governantes serão capazes de conduzir uma transição que preserve o emprego, assegure o desenvolvimento e a produção nacional.