Está na forja, prestes a ser dada por finda e promulgada, a Lei de Bases da Habitação. O artigo 65.º dessa lei refere-se ao “papel do Estado na obrigação de garantir a todos o direito para si e para a sua família a uma habitação de dimensão adequada, em condição de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”. Numa Lei de Bases, definem-se objetivos gerais e essa será a razão pela qual no articulado da nova lei os verbos estão no tempo a que agora os gramáticos chamam o futuro imperfeito conjuntivo para que os governos que hão de vir a ser eleitos a coloquem no presente através dos seus programas eleitorais, dos orçamentos que venham a propor e das ações que venham a realizar. E assim competir-lhes-á promover planos de ordenamento do território, o que significa a existência de dispositivos legais que permitam as “expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de utilidade pública urbanística e que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social”. Assim seja. promover a construção da “habitação económica e social” em colaboração com as regiões autónomas e autarquias locais estimular a construção privada incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais Aqui se observa uma questão que ultrapassa o campo da linguística, pois o douto Dicionário da Academia dá a estas palavras o mesmo sentido (“fazer com que alguma coisa se desenvolva”) e em termos políticos se pode significar tratar de igual forma coisas diferentes visto que, dizem as estatísticas, 98% das habitações construídas no país têm origem privada e somente 2% de iniciativa pública (estatal, regional e municipal) e sobre produção apoiada (sistema cooperativo, associações de moradores, autoconstrução) nada dizem as estatísticas. Acrescente-se que se qualquer destes sistemas está ligado à produção de habitação, o primeiro rege-se pelas leis do mercado – visa o lucro e dispensa, portanto, em qualquer circunstância, incentivos – os outros visam a superação de uma necessidade básica vital, amplamente sentida pela quase totalidade da população, e exigem, portanto, esforços coletivos, que é como quem diz incentivos estatais. Em resumo, a carência de habitação é epidémica nas nossas cidades e vilas e o artigo 65.º da nova lei atribui estímulos tanto aos que ganham com a doença como aqueles que dela sofrem. É injusto, portanto. Mais justo seria dar estímulos à população e regulamentar e punir a especulação desenfreada.
Opinião
A Voz do Corvo