Afonso Fernandes está no alto de um escadote de pincel em riste junto a um muro na Rua da Voz do Operário. É um dos muitos solidários com a Palestina que decidiu dar uma mão para pintar. Vem todos os dias, sem falta. Pela rua, há dezenas de latas de tinta, moldes, trinchas e também curiosos que observa o avanço da empreitada. “Este é o tema mais importante [da atualidade] porque é um genocídio o que está a acontecer. E temos uns media que nos estão constantemente a bombardear com a opinião vigente, que é a opinião do império, afirma. Não é a primeira vez que pinta um mural e diz que é uma forma de expressar uma mensagem de solidariedade com o povo palestiniano.
Enquanto enchem o muro de cores, um morador da Graça traz uma caixa de pastéis de nata em agradecimento pelo mural. O responsável pelo desenho e pela coordenação das pinturas, António Alves, muralista experiente, considera que têm sido permanentes as demonstrações de solidariedade e afeto. Membro do Coletivo de Solidariedade Mumia Abu Jamal, juntou-se à iniciativa depois de uma já vasta experiência a pintar nas ruas pela Palestina desde 7 de outubro do ano passado. “Naturalmente, a Palestina é-me cara, é uma causa cara, porque o Estado de Israel está há décadas a matar crianças, há décadas que estão a matar um povo, a cometer um genocídio. E o mundo ocidental está completamente de cócoras perante o Tio Sam e não faz nada. Convidaram-me para fazer um mural nessa perspetiva de denúncia, de alerta”, explica.
“Contra a ocupação”, “fim ao genocídio”, “ajuda humanitária a Gaza” e “fim do apartheid” são alguma das frases inscritas no mural. A libertação dos presos palestinianos, entre os quais se encontram também crianças, e a exigência do reconhecimento do Estado da Palestina pelo governo português também figuram entre as reivindicações. Um grupo de mulheres, homens e bandeiras palestinianas e libanesas compõem a pintura representando “a revolta” destes povos.
António Alves denuncia que depois de 7 de outubro do ano passado a Câmara Municipal de Lisboa mandou apagar várias pinturas solidárias com a Palestina. “Em Lisboa, há a particularidade de Carlos Moedas ter requisitado empresas específicas para eliminar centenas de inscrições de solidariedade com a Palestina”. De acordo com o muralista, o presidente da Câmara Municipal “está a eliminar a liberdade de expressão, em que há elementos do povo que se manifestam contra o genocídio. Mas isso não vai ser possível. Portanto, o povo português vai tomando consciência e vai reagir e vai mostrar a sua solidariedade”.
De entre as organizações promotoras do mural, José Esteves, do Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente (MPPM), explica que esta iniciativa tem o objetivo de assinalar o Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino, a 29 de novembro, decretado em 1977 pela Nações Unidas para comemorar o dia de 1947 em que essa organização decidiu a partilha da Palestina. “Passados 30 anos, sendo que nessa altura o Estado israelita existia já desde 1948, o Estado Palestino não viu a luz do dia e ainda hoje não existe. Estamos aqui para exigir o reconhecimento dos direitos nacionais do povo palestino incluindo a um Estado independente e soberano”, defende. O objetivo é mostrar repúdio “pela campanha de genocídio que está em curso contra a população da Faixa de Gaza” e também por “toda a repressão a que está a ser sujeita a população da Cisjordânia, com ataques constantes dos colonos sionistas, protegidos pelo exército”.
Estas organizações exigem ainda o fim da ocupação da Palestina, a libertação dos presos políticos e o reconhecimento do Estado da Palestina por Portugal. Depois da decisão do governo português de não receber Francesca Albanese, relatora especial da ONU para os territórios palestinianos ocupados, e receber a vice-ministra israelita dos Negócios Estrangeiros, José Esteves considera que o executivo liderado por Luís Montenegro, “contrariamente à sua posição oficial de uma solução de dois Estados, na realidade só reconhece o Estado de israel e continua a não reconhecer o Estado da Palestina. E mostra através dessas ações uma cumplicidade condenável, lamentável, com um Estado que é um Estado agressor, que é um Estado ocupante, que é um Estado genocida.