A morte de Odair Moniz é a prova de que a cor de pele e o lugar onde se mora continuam a ser fatores de risco para quem é abordado pelas forças policiais. A construção de uma mentira com o beneplácito da Direção Nacional da PSP sobre a existência de uma arma branca para justificar um assassinato, involuntário ou não, é mais uma página negra na história das forças de segurança. Para várias forças políticas e meios de comunicação social, a queima de caixotes e contentores do lixo pareceu ser mais importante do que a morte de um cidadão, esquecendo até que, esses atos, podendo ser condenáveis, acabaram por dar à luz o debate sobre a atuação das forças policiais nas zonas urbanas sensíveis. Ou seja, podemos antecipar, sem grande dificuldade, que sem protestos, a morte de Odair Moniz teria caído, como tantas outras, no esquecimento.

É estarrecedor pensarmos que a esmagadora maioria das intervenções policiais violentas acontece nas periferias das grandes cidades contra a população mais pobre quando os responsáveis por graves e avultados crimes dormem no sossego das suas casas em bairros como a Quinta da Marinha. Isto não é, naturalmente, alheio a uma estratégia política que tem apostado numa intervenção musculada, descartando o policiamento de proximidade através do desinvestimento em meios, e a uma estratégia económica que mantém e aprofunda as desigualdades e as carências.

Para lá dos discursos decorativos, a identificação de determinadas áreas das nossas cidades como zonas urbanas sensíveis em função da classe social e da nacionalidade, permitindo fazer de cidades como a Amadora um faroeste policial em que agentes julgados ou condenados continuam em funções, é uma aberração que merece a nossa rejeição.

Cabe-nos, enquanto classe trabalhadora, independentemente da cor, da nacionalidade ou do sexo, compreender que a extrema-direita usa o racismo e a xenofobia para virar trabalhadores contra trabalhadores. No bairro do Zambujal, onde vivia Odair Moniz, vivem negros, ciganos e brancos. Vivem sob a sombra da culpa. Mesmo que trabalhem nas obras ou nas limpezas, mesmo que estudem na universidade, vivem ali e, como tal, até prova em contrário são considerados suspeitos. E isso permite todo o tipo de dislates policiais. Não pode ser. Não podemos permitir. “Justiça” foi o que milhares gritaram na manifestação do movimento Vida Justa. “Justiça” foi o que gritaram quando enterraram Odair Moniz.

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