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4041, a Companhia que ligou a Revolução ao Porto

A Companhia de Comandos 4041 estava pronta para seguir para a Guiné, mas a madrugada do dia 25 de Abril de 1974, acabaria por desviá-la para o Porto, cumprindo o plano do Movimento dos Capitães, perante o impasse do Posto de Comando instalado no Quartel-General daquela cidade. Coube um papel decisivo ao Capitão Delgado da Fonseca acertando no Porto o relógio da Revolução.

Quando, por volta das 6h30 da manhã, a Companhia de Comandos chegava ao Campo 24 de Agosto, no Porto, Delgado da Fonseca dava ordens para a montagem de um dispositivo defensivo e preparava-se para dar início à execução da sua principal tarefa: o assalto e ocupação das instalações da PIDE/DGS. Ainda assim, e porque não tinha conseguido qualquer ligação “com o comando das forças amigas”, e face à ausência de contacto rádio, decidiu procurar um telefone civil “na única padaria aberta àquela hora no Bonfim”. O Porto amanhecia sem sobressaltos e a Companhia 4041 já trazia mais de três horas de viagem. 

Saíra do Quartel de Santa Cruz, em Lamego, onde aquele conjunto de homens operacionais disponíveis e prontos para embarcar para a Guiné, aguardavam a tomada de vacinas que tinham sido estrategicamente retidas por Delgado da Fonseca. Assim que a Emissores Associados de Lisboa transmitia a música de Paulo de Carvalho “E Depois do Adeus” era transmitida aos operacionais a senha, “Coragem” e, contrassenha, “Pela Vitória”. 

Ouvida na Rádio Renascença a música de Zeca Afonso, “Grândola Vila Morena”, “foram acordados os instruendos do Curso de Operações Especiais e mandados formar com equipamento e armamento individual completo”, relata Delgado da Fonseca. O Comandante da Companhia de Instrução dava a ordem de marcha, saindo a formação para o escuro da noite em perfeito silêncio.

Tomadas todas as medidas de segurança e de controlo de comunicações, só às 02h30 do dia 25 de abril Delgado da Fonseca acordou o Comandante para lhe comunicar o que iria acontecer, ficando este sob controlo dos militares afetos ao Movimento. Ainda assim o Comandante da Unidade, Tenente-Coronel Sacramento Marques é convidado e aceita dar a ordem de partida e desejar boa sorte à Companhia. E assim aconteceu. 

Às 03h00 da manhã a Companhia 4041 seguia a caminho do Porto: Penude, Serra de Bigorne, Cinfães, Castelo de Paiva, Entre-os-Rios, Foz do Sousa e finalmente o Porto, Rua do Freixo, Campanhã, Rua Pinto Bessa, Rua do Bonfim e Campo 24 de Agosto. 

O Porto amanhecia, as pessoas caminhavam para os empregos. A coluna militar era-lhes completamente indiferente. Não havia sinais da Revolução, nem nas ruas nem nas comunicações. Ainda que Delgado da Fonseca soubesse que, segundo o programa de ação, o Quartel-General já devia ter sido tomado pelas forças do Movimento, onde passaria a funcionar o Posto de Comando, não havia sinais de que por ali as coisas tivessem avançado. Apesar da insistência não conseguia estabelecer contacto com o Posto de Comando. Os sinais eram de comunicação cortada. Da Revolução apenas tinha tido um pequeno sinal, a leitura de parte de um comunicado na rádio, durante a viagem para o Porto.

Decidiu então ligar para uma das unidades aderentes ao Movimento, o CICA 1 e falar com o comandante da unidade na Rua D. Manuel II, o Tenente-Coronel Azevedo Simões. “Disse-me para seguir de imediato para a sua unidade”, precisava de ser reforçada, dada a suspeita de potencial intervenção da GNR, uma ameaça importante, já que tinha sido reforçada com armamento pesado, viaturas blindadas e morteiros. 

Azevedo Simões informava ainda Delgado da Fonseca que “o Regimento de Infantaria 6 ainda não tinha cumprido a sua missão”. Era um mau sinal. A operação “Fim de Regime” não tinha chegado ao Porto. 

Delgado da Fonseca ordenou que a coluna prosseguisse em direção ao CICA 1, seguindo pela Rua Passos Manuel, Rua Magalhães Lemos, Avenida dos Aliados, Rua dos Clérigos, Rua do Carmo, Rua Dr. Tiago de Almeida e Rua D Manuel II. 

A coluna militar atravessava a baixa do Porto, cruzando-se com a população a caminho do trabalho, como se de um dia normal se tratasse. Propositadamente, a coluna passaria na Rua do Carmo, frente ao Comando da GNR, “era um teste”. Delgado da Fonseca conhecia bem o comandante da GNR, o Coronel João Pessanha, cuja família tinha tido problemas com a PIDE. “Os oficiais da GNR e o seu Comandante viriam à varanda do primeiro andar, curiosos, mas em atitude pacífica”, relata Delgado da Fonseca. E era um bom sinal, indicador da neutralidade assumida no Porto por aquela força. Já no CICA 1, reunido com o comandante, soube, ao fim da manhã, “que a operação estava a ser bem-sucedida em quase todo o país e que as operações iam decorrendo a nível nacional conforme o planeado”. Porém a situação era confusa na Região Militar do Porto. A Revolução parecia ter passado ao lado da segunda cidade do país.

O Quartel-General tinha sido tomado na hora marcada por uma companhia de instrução do CICA I e encabeçada pelo Tenente-Coronel Carlos Azeredo e os Majores Corvacho e Nogueira de Albuquerque. Mas, o Posto de Comando continuava sem funcionar, as comunicações estavam cortadas. Já na periferia da cidade “O Regimento de Artilharia Pesada n.º 2 controlava as pontes sobre o rio Douro, o Regimento de Cavalaria 6 tinha instalado uma força de segurança ao Palácio dos Correios na Avenida dos aliados mas tê-la-ia recolhido depois por desnecessária; O Batalhão de Caçadores 9 de Viana do Castelo ocupara e controlara o Aeroporto de Pedras Rubras; O Primeiro Grupo de Companhias de Administração Militar da Póvoa do Varzim controlava as pontes sobre o rio Cávado e a de Vila do Conde”. 

Mas, o Regimento de Infantaria 6 que deveria ter cumprido várias missões, não tinha ainda mandado sair qualquer força e o Coronel Esmeriz não tinha ocupado, como devia, o Comando da Região Militar. 

Mais complexo era o Regimento de Infantaria 8 de Braga, “cujos rumores apontavam para que o Comandante estivesse à espera de reforços vindos de Espanha” para então avançar em defesa do Regime. Das unidades de Penafiel, Chaves, Vila Real e Bragança não havia notícias”, relata Delgado da Fonseca.

Na cidade, ao contrário da GNR que se mantinha aquartelada e neutra face às movimentações, a PSP estava disposta a manter a sua função repressiva: “O comandante da Polícia de Segurança Pública [do Porto,] Coronel Santos Júnior, recusava mandar recolher as suas forças e ameaçava mandar carregar sobre qualquer manifestação da população”. Também a Legião Portuguesa estava envolvida em missões de “sabotagem a antenas de telecomunicações, alimentação de repetidores e cortes de linhas telefónicas”, designadamente neutralizando a central de telefones nos CTT, todas as ligações do Quartel-General e impedindo que a rádio e a televisão transmitissem em ligação com Lisboa”. Era esta sabotagem que isolava a população do Norte do resto do país.

São as tropas comandadas por Delgado da Fonseca que repõem todas as ligações, prendem o engenheiro que tinha sabotado, ocupam as estações de radiodifusão, Emissora Nacional, Rádio Clube Português, Rádio Renascença, RTP. Quando a população se apercebe do movimento sai espontaneamente para a rua. O local de concentração passou a ser em frente ao Comércio do Porto, onde os jornalistas afixavam nas portas do jornal um cartaz com todos os desenvolvimentos da Revolução.

O Comandante da PSP do Porto, Coronel Santos Júnior, avisa por telefone o Comandante do CICA I que vai carregar sobre a população. Quando o Capitão Castro Carneiro saía com as suas tropas dos CTT, dá-se a carga policial. É aí que a multidão “levantou em ombros os soldados do CIOE e correu contra os agentes da polícia que foram obrigados a retirar e a refugiar-se nas esquadras”.

Só depois de Marcelo Caetano ter sido deposto e transferido poderes para António de Spínola, o Coronel Esmeriz cumpria a sua tarefa. Conclui Delgado da Fonseca: “Não consegui explicação para esta longa ausência de ação de comando por parte dos elementos que montaram o Posto de Comando no QG do Porto. Tendo ocupado as instalações às 3h00 sem qualquer resistência, dispondo da Companhia de Polícia Militar e das forças que levaram do CICA1, não conseguiram estabelecer ligações operacionais com as Unidades empenhadas. Pareceu-me que a ação de comando teria tentado neutralizar a operação na região norte do país até que se verificasse a queda do Governo em Lisboa. Aliás só nessa altura é que o Coronel Esmeriz foi ocupar o Comando. Será que também no Porto alguns camaradas manobraram para sobrepor a sua estratégia política ao Programa do Movimento das Forças Armadas, esperando que em Lisboa o Poder transitasse diretamente de Marcelo Caetano para o General Spínola?”. O Porto acertava assim os ponteiros do relógio com a Revolução e, como refere o historiador Fernando Rosas, (Revolução Portuguesa 1974-1975) o golpe transformou-se “em processo revolucionário de massas (…) o povo passa de espectador a ator, nessa mesma tarde, sem esperar mais”.

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