Entrevista

Economia

Jorge Pisco: “Isto é uma bomba-relógio que nos caiu em cima”

Jorge Pisco é o presidente da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME) e considera que a crise económica, depois da pandemia, está a afetar duramente este universo que corresponde à esmagadora maioria do tecido económico português. No seu conjunto, o setor é responsável por cerca de 66% do PIB.

O tecido económico português é composto, maioritariamente, por micro, pequenas e médias empresas. Que impacto tem isto na realidade socioeconómica do país?

As micro, pequenas e médias empresas (PME) são 99,9% do tecido económico nacional. Só as microempresas são um milhão e duzentas mil, segundo os últimos dados estatísticos. Em números redondos, empregam perto de três milhões de trabalhadores e contribuem com cerca de 66% para o PIB nacional. Ou seja, isto é um setor muito grande, com diversas áreas e, durante muito tempo, nunca se falava em micro, pequenas e médias empresas mas apenas em empresas, metendo tudo no mesmo saco, sem haver essa distinção. E a realidade é que são realidades diferentes, ou seja, nós temos cerca de mil grandes empresas, que são as que têm mais de 250 trabalhadores, que acabam por ser multinacionais, as médias empresas que vão até 250 trabalhadores, no fundo, são as nossas grandes empresas. E isto acaba por ter um reflexo muito grande na economia nacional e, especialmente, no tecido económico local. Normalmente, fala-se em tecido local na questão da mercearia, da cafetaria, do restaurante, mas não… há as oficinas, há a parte industrial, a construção, ou seja, tudo isto contribui para a riqueza nacional. Daí que seja necessário, contrariamente àquilo que tem acontecido ao longo destes anos, apoios para este tecido económico.

Qual tem sido o papel da Confederação?

A Confederação tem 37 anos. Temos associados desde a Federação Portuguesa do Táxi, que é a nossa maior associada, a associações de cabeleireiros, de esteticistas, de creches privadas… estes são exemplos concretos, são setores transversais. Estou a falar de associações, mas depois temos associados da restauração, da construção civil, porque a Confederação é transversal a todos os setores. Ao longo destes 37 anos, intervimos junto das autarquias, como parceiros da nossa atividade, dada a sua proximidade com o tecido económico local, e apresentámos propostas aos partidos políticos, também no âmbito do Orçamento do Estado. No início desta legislatura, entregámos uma carta reclamativa com um conjunto de 26 propostas para o mandato de 2022-2026. Apresentámos isto ao governo, entregámos aos partidos na Assembleia da República, assim como propostas para o Orçamento de 2022 que agora termina, e não foi considerada nenhuma dessas propostas. Novamente, para 2023, apresentámos essas propostas e o governo, agora com maioria absoluta, não considerou nenhuma.


O nosso papel acaba por ser muito reivindicativo pelas melhorias das condições de trabalho, não só das empresas, mas também das condições que elas podem oferecer aos próprios trabalhadores, tendo em conta esta massa enorme que é o número de trabalhadores que as micro, pequenas e médias empresas têm. Agora, o que é que vamos fazer? Vamos continuar a trabalhar nesse sentido junto do poder central, junto do poder local, através de conferências, de seminários, de ações de formação. 

Durante o mês de dezembro, houve vários fenómentos climatéricos em vários pontos do país que provocaram inundações e derrocadas. Vários negócios ficaram destruídos. Qual é que devia ser o papel das autarquias e, também, do governo nestes casos?

Aquilo que se vê, a própria comunicação social tem relatado isso, é que são as microempresas, é o tecido económico local, os restaurantes, o comércio local, que sofreu mais, nestas últimas semanas, com as intempéries que se verificaram, nalguns concelhos aqui da Área Metropolitana de Lisboa mas também no Alentejo, no Algarve, entre outras regiões. Toda a gente sabe quem é o presidente da junta ou o presidente da câmara mas não conhece quem é o secretário de Estado da Economia ou do Comércio e dos Serviços. E com isso, onde é que vamos logo bater à porta? À Câmara Municipal e isso viu-se nos apoios que estão aí. Mas é preciso depois distinguirmos isso. Temos, nas autarquias locais, realidades diferentes. Temos grandes câmaras, temos médias câmaras e câmaras muito pequenas. Basta fazer a comparação daquilo que aconteceu na câmara – deixemos Lisboa que é um mundo à parte – de Loures, Odivelas, Oeiras, que são três grandes municípios aqui da Área Metropolitana onde isso aconteceu, ou o Seixal, com um município do Alentejo. São realidades completamente diferentes do ponto de vista do orçamento da câmara e, para além dos prejuízos que o tecido empresarial e as populações tiveram, também a própria autarquia foi afetada. 

É evidente que, em primeiro lugar, nós batemos à porta das autarquias para pedir subsídios e para pedir apoios, e as câmaras muito bem, dependendo dos orçamentos, avançam com alguns apoios pontuais. Isso já aconteceu anteriormente, também durante a pandemia. Agora, a questão que se coloca é esta: a responsabilidade não é das autarquias e tem que se encontrar formas de apoio que minimizem as situações que estas empresas e populações sofrem. A burocracia é tal para apresentar toda a documentação, para se fazer o levantamento dos prejuízos, que só meses e meses depois é que vêm esses apoios. E nalguns casos aquilo a que chamam apoios são linhas de crédito. Linhas de crédito numa situação tão difícil como a que as microempresas têm é mais endividamento, piora ainda mais a situação que têm. 

De que forma é que a pandemia afetou o vosso universo?

A pandemia foram dois anos de pandemia com mais este ano de crise económica, com o aumento da inflação, com o aumento do custo de vida, com o aumento das matérias primas, com a falta de mão-de-obra, com o aumento da energia… isto é uma bomba-relógio que nos caiu em cima.

Houve destruição do tecido empresarial?

Houve muitas empresas que, do primeiro para o segundo confinamento, não conseguiram retomar. Diz-se que “os números que existem não dizem isso”. Pois não, e por uma razão muito simples. Nós criamos a empresa num minuto e está criada mas para fechar uma empresa leva-se um ano, dois anos a fazê-lo, não é a mesma coisa. E esta é a realidade. Depois, sobre os apoios que foram dados, durante a pandemia, o relatório do próprio Tribunal de Contas confirmou aquilo que a CPPME dizia: os apoios não chegaram a tempo e horas. E não chegaram. Das vinte e cinco medidas que o governo apresentou, só nove é que foram cumpridas. Ou seja, há muitos milhões de euros que foram anunciados, e a certa altura todas as semanas se anunciavam mais milhões e milhões, mas aquilo era o mesmo dinheiro a rodar. E ainda ontem o Primeiro-Ministro dizia que foi a contenção que tivemos durante a pandemia que nos permitiu ter esta situação [económica] hoje. É evidente. Se não dás, tens em caixa. 

Disse à Rádio Renascença, em relação à situação atual, que “vivemos numa bolha em que parece que está tudo bem mas não está. A situação tem tendência a agravar”. De que forma é que esta crise gerada pela guerra e pelas sanções da UE à Rússia vos afeta? Ou seja, em que é que se distingue daquilo que aconteceu durante a pandemia?

Há setores que, durante o ano de 2022, conseguiram trabalhar, avançar. Dou um exemplo. Os feirantes das diversões tiveram um bom ano, na opinião deles, porque retomaram as feiras e as festas. Têm um problema que se lhes coloca. Se lhes avaria uma máquina, não há peças, e as peças quando vêm levam dois a três meses com os preços a escalar para o dobro ou o triplo. E há também a falta de mão-de-obra. Tivemos dois anos de pandemia, com grandes dificuldades, e algumas empresas estavam a começar a trabalhar bem no princípio de 2022. Depois, vem a segunda crise da inflação. A questão da energia tem um peso fundamental. O aumento da eletricidade dispara bruscamente e muitas empresas têm dificuldades. O preço da energia triplicou nas contas de algumas empresas. É impensável uma situação destas.

Fala-se muito do aumento dos juros individuais mas fala-se pouco do aumento dos juros para as empresas. Acontece com algumas empresas sujeitas aos ditos apoios que o governo anunciou durante a pandemia, nomeadamente os apoios ao turismo e outros, as empresas acabaram por ir fazer créditos. Neste momento, com a subida da taxa Euribor, os valores dispararam e é mais um acréscimo à situação dramática com que as empresas estão confrontadas. 

De que forma é que os salários baixos dos portugueses afetam a realidade económica das PME?

Nós defendemos que tem de haver aumentos salariais. Costumam-me colocar a questão, “então mas as empresas têm dificuldades, como é que conseguem pagar o salário mínimo?”. E o que eu costumo dizer é que quanto maior for o salário dos trabalhadores, da população, maiores receitas estas empresas terão. Isto gera riqueza. Agora, se os salários são mínimos, ou seja, se temos um aumento de salários de 5%, e já é muito bom, com uma inflação de 10%, isto não ajuda absolutamente nada. Porque não basta falar daquilo que é o cabaz de compras. Fala-se muito nisto, mas, por exemplo, para a construção civil os preços dispararam. Foi um setor que trabalhou razoavelmente bem durante a pandemia e agora tem falta de material para fazer os acabamentos. Uma casa leva cimento, leva pedra, leva essas coisas todas mas depois há os acabamentos e há falta de material e os custos dispararam. O caso dos padeiros, por exemplo, em que dantes a farinha se encomendava, chegava a farinha e pagava-se depois. Neste momento, não. Paga-se agora e recebe-se depois a farinha. 

Defendem um assento no Conselho Económico e Social (CES). Porquê?

O CES, do ponto de vista da lei, é composto, no Conselho Permanente, por quatro confederações empresariais (a CIP, a CAP, a CCP e a Confederação do Turismo) e por duas confederações sindicais (a CGTP e a UGT). O presidente do CES é nomeado pelo governo e há um representante oficial do executivo que, neste caso, é a Ministra do Trabalho. O que nós defendemos, e porque é isso que a lei prevê, é que possamos participar no plenário do CES. Esse espaço é constituído não só pelas empresas, pelo tecido empresarial, pelo tecido sindical, mas também por outras organizações sociais. Por exemplo, os reformados, os deficientes, a Federação das Coletividades tem assento no plenário do CES. E o presidente do CES é nomeado, no início de cada legislatura, assim como o plenário. Há candidaturas para estes lugares. O que acontece é que nós candidatamo-nos sempre que há uma nova legislatura e a legislação diz que, mediante os candidatos apresentados, há uma reunião convocada pelo presidente do CES que, por consenso, tem de nomear os representantes. Para oito lugares, nem sempre há candidatos suficientes e, mesmo assim, não entramos. Dou o exemplo deste último mandato que está em vigor, ou do penúltimo, em que houve sete candidatos para oito lugares, desta vez houve seis candidatos para oito lugares. Não se chega a consenso porque a CIP, a CAP, a CCP e a Confederação do Turismo querem ter elas, também, os oito lugares no plenário e o que a legislação diz é que, à partida, essas quatro confederações que têm assento no Conselho Permanente têm já sítio nos oito lugares, ou seja, o que resta são quatro assentos para os restantes. É sempre a CPPME que fica de fora. 

Eles baseiam-se no número de trabalhadores, no número de Contratos Coletivos de Trabalho, mas a legislação não diz nada disso. Nós, perante esta questão, e antes de avançarmos para o recurso, pedimos uma reunião com o presidente da Assembleia da República porque esta lei é da Assembleia da República e tem de ser a Assembleia da República a alterá-la. Também falámos com todos os grupos parlamentares sobre isto. Decidimos que vamos avançar para impugnação desta situação porque isto não tem lógica absolutamente nenhuma e é uma discriminação.

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