Internacional

Hegemonia

Economia de guerra: os mesmos de sempre a pagar

A guerra provoca efeitos que variam em função da posição que cada um ocupa.
Vejamos o caso dos 51 representantes do congresso dos EUA, os quais, no dia seguinte à morte do general Iraniano Soleimani, ordenada por Donald Trump, viram as suas acções valorizar.

Fila de racionamento durante a Segunda Guerra Mundial.

A simples possibilidade de resposta militar por parte do Irão, e o enfrentamento que daí poderia resultar, foi suficiente para que as maiores empresas do complexo militar industrial dos EUA se valorizassem.

A existência deste complexo, que consome cerca de 750 mil milhões de dólares anuais, determina, por si só, a constância de conflitos militares, sejam diretos ou por procuração. A verdade é retumbante: se após o colapso da URSS foram vastas as promessas de paz, liberdade e democracia, aquilo a que assistimos demonstra precisamente o contrário. O mundo unipolar, dominado de forma hegemónica pelos EUA, é um mundo de constante agressão. De acordo com o Instituto para a pesquisa e Investigação da Paz de Estocolmo, o SIPRI, desde 1997 que os gastos militares têm vindo a subir em todo o mundo, atingindo valores muitíssimo mais elevados que no tempo da guerra fria.

Ao mesmo tempo que esta realidade ganha forma, vão-se perpetuando alguns dos dramas humanos que mais afligem quem paga todo o investimento em armamento – os trabalhadores e os povos.

Tal é a desproporção na forma como o poder capitalista mundial trata questões como a fome, que, de acordo com uma estimativa da organização Worldbeyondwar, apenas 3% do orçamento militar anual dos EUA seriam suficientes para terminar com a privação alimentar que aflige milhões de seres humanos.

Ao mesmo tempo que se acusam outros países de violações de direitos humanos, são a NATO, a EU e os EUA que mais morte e destruição no mundo causam. Mais importantes que os custos económicos das guerras, são os elevadíssimos custos humanos. Desde 2001 que morreram, pelo menos, 929 mil pessoas, contando apenas as que resultaram da violência directa promovida pelas várias guerras. A estes, teremos de somar os mais de 38 milhões de refugiados (Afeganistão, Líbia, Somália, Síria…) e os incontáveis mortos resultantes da destruição, privação material e da violência indirecta.

Os efeitos da guerra na economia não se resumem aos investimentos que os trabalhadores têm de suportar, para uns poucos privilegiados terem de ganhar. São pelo menos 35 os países sujeitos a sanções unilaterais, ilegais e ilegítimas dos EUA. Regra geral, a EU, de forma coordenada ou enquadrada pela NATO, segue a tendência e aplica o mesmo tipo de sanções, também aos mesmos países. Entre estes, podemos encontrar todos os que foram vítimas da intervenção militar dos EUA/NATO.

Só no Iraque, as sanções, nos anos 90, provocaram mais de um milhão e meio de mortos, grande parte crianças. Esta realidade está bem documentada pelo Centro para a Justiça Internacional de Genebra e pela própria Unicef. As sanções constituem um instrumento criminoso de pressão sobre os países que rejeitam aplicar ou respeitar as orientações dos EUA/NATO/EU.

Mas se as sanções unilaterais ou, excecionalmente, enquadradas pela ONU, constituem uma forma de guerra económica, destruindo – na maior parte dos casos – as economias dos países visados e com isso, impedindo essas nações de se desenvolverem e de investirem no bem-estar dos seus povos, os seus efeitos não se verificam apenas nos próprios visados.

“Quando os países sancionados assumem especial importância nas cadeias de distribuição e fornecimento, a aplicação das sanções acaba por ricochetear contra os próprios.”

Quando os países sancionados assumem especial importância nas cadeias de distribuição e fornecimento, a aplicação das sanções acaba por ricochetear contra os próprios. Tal sucede com as sanções à Rússia, aplicadas na sequência da sua intervenção militar na Ucrânia.

A Rússia tornou-se, de um dia para o outro, o país mais sancionado do mundo. A Rússia é um dos maiores exportadores de matérias-primas, entre elas o gás natural, o petróleo, ferro, zinco, paládio, e ainda mais importante, cereais, uma das bases fundamentais da nossa alimentação. A Europa era – e ainda é – um dos principais clientes, baseando a competitividade da sua indústria, em grande parte, na proximidade, grande quantidade e preço reduzido das matérias-primas de origem russa. Cerca de 40% do gás natural consumido na Europa é de origem Russa, só para dar um exemplo.

Assim, o que nos tem sido possível observar é o encarecimento, ainda mais pronunciado – o qual já vinha de 2021 – de toda a energia, seja ela gás, combustíveis automóveis ou eletricidade. Contudo, as restrições às exportações russas no âmbito dos cereais, pelo menos para alguns mercados, bem como a queda da exportação de cereais vindos da Ucrânia (Rússia e Ucrânia produzem mais de 25% do trigo mundial) têm contribuído para o aumento do preço da alimentação, em geral.

O facto é que em resultado do encarecimento de diversos factores de produção – energia e matérias-primas – tal tem resultado no aumento progressivo da inflação, tendência que também já vinha de trás, mas que se agrava agora neste quadro.

Este enfrentamento assume ainda outro efeito bem real para os trabalhadores e o povo, nomeadamente aqui em Portugal; o aumento das despesas militares, opção do governo maioritário do PS, seguindo a tendência europeia e as, nunca até aqui cumpridas, regras da NATO (que sinaliza um investimento anual no montante de 2% do PIB).

Num quadro de inflação crescente, com aumento generalizado dos preços, redução do ritmo de crescimento económico, o aumento das despesas militares é mais um sinal dado pelo executivo governativo aos trabalhadores e suas famílias de que não esperem melhorias nos serviços públicos, como a segurança social, a educação, saúde ou habitação. Muito pelo contrário, tudo aponta para a sua continuada degradação.

Esta realidade, que nos é apresentada como inevitável e que resulta tão somente das opções políticas, apenas reforça uma constatação: é que quem paga as guerras, de uma forma ou outra, são sempre os mesmos, os trabalhadores e os povos – no corpo, no estômago e no bolso.

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