É já a 19 de dezembro que 15 milhões de eleitores vão às urnas decidir na segunda volta quem vai ser o sucessor do conservador Sebastián Piñera na presidência do Chile. Depois das revoltas populares que abalaram um país historicamente neoliberal desde a ditadura de Augusto Pinochet, o candidato da Frente Ampla e do Partido Comunista, Gabriel Boric (25,83%), ficou ligeiramente atrás de José António Kast (27,91%), alinhado com a extrema-direita. Pela primeira vez desde o triunfo histórico de Salvador Allende a 4 de setembro de 1970, que abriu caminho à “via chilena para o socialismo”, um candidato progressista vai disputar a cadeira presidencial na segunda volta.
O resultado do candidato da extrema-direita, irmão de um ministro de Pinochet e apoiante ativo do regime durante a juventude, concentrou o apoio da direita desiludida com o fracasso da administração de Sebastián Piñera, um dos nomes que apareceu no escândalo dos paraísos fiscais denunciado pelos Pandora Papers. O programa de José Antonio Kast inclui propostas que vão desde a libertação de repressores da ditadura condenados por crimes contra a humanidade à proibição total do aborto, incluindo em casos de malformação e violação. Defende ainda, como Donald Trump, a construção de muros nas fronteiras com o Peru e a Bolívia. Ao longo de 57 páginas, apela a “uma direita sem complexos”.
Gabriel Boric, progressista que derrotou o candidato comunista nas primárias da esquerda, é um ex-presidente da emblemática Federação de Estudantes da Universidade do Chile e promete superar o modelo neoliberal, uma das reivindicações dos movimentos sociais.
Para além das eleições presidenciais, os chilenos também renovaram o poder legislativo. Fabiola Campillai, uma das quase 500 pessoas que perderam a vista depois de receberem disparos da polícia, foi eleita senadora pela região metropolitana de Santiago do Chile. Mas uma das surpresas da noite eleitoral foi o regresso do Partido Comunista ao senado pela primeira desde o golpe fascista de 11 de setembro de 1973, quando teve a segunda maior bancada com nove representantes. Desta vez, os comunistas vão estar representados por Claudia Pascual, neta de refugiados comunistas espanhóis, e Daniel Núñez, ex-secretário-geral da Juventude Comunista.
Espera-se agora uma campanha acesa entre dois projetos distintos para o país. Gabriel Boric pretende levar a cabo mudanças democráticas que arrede de vez a herança pinochetista do Chile. É uma decisão que está marcada para o fim do mês no país de Pablo Neruda, Salvador Allende, Violeta Parra e Victor Jara.