Esta fase da vida, marcada por uma maior necessidade de contacto social com pares, associa-se a um processo de formação de identidade, pelo que o isolamento imposto pelo confinamento e fecho das escolas se traduziu num sentimento de vida suspensa. As instituições de ensino, espaços de promoção de aprendizagem, desenvolvimento, relação e cidadania, viram o seu papel coarctado em muitas dimensões e tiveram de instituir mudanças súbitas com amplos efeitos em todos os elementos da comunidade educativa (pais, alunos, professores e funcionários). Naturalmente, os efeitos de ano e meio de pandemia são vastos e não se limitam a questões desenvolvimentais, relacionais, de aprendizagem e desempenho. Incluem sentimentos de medo, solidão e angústia que podem evoluir para estados mais graves de sofrimento psicológico, ansiedade, depressão, sono e outros problemas de saúde psicológica que sobreviverão à COVID-19. Em particular, a transição para o ensino à distância gerou stress e cansaço, para além de um aumento muito significativo do tempo online. Todos estes problemas têm efeitos na motivação e desempenho, podendo compro- meter o percurso académico ou levar ao abandono.
Os estudantes do ensino superior parecem ter sido particularmente afectados. A transição para o ensino superior é sempre difícil, pautada por grandes exigências e tarefas desenvolvimentais específicas (a saída de casa dos pais, a mudança de cidade, a formação de novos vínculos, etc.) associadas a níveis elevados de incerteza face ao percurso académico, vida social e futuro. Nos últimos anos, a prevalência de problemas de saúde psicológica em estudantes universitários portugueses tem vindo a crescer. Cerca de 17% apresenta sintomatologia depressiva e problemas relacionados com baixa auto-estima, alterações de humor, questões relacionais e dificuldades académicas (métodos de estudo, ansiedade aos exames, etc.). A estes, a pandemia impôs desafios acrescidos, do ponto de vista social (distanciamento das redes de suporte, diminuição da possibilidade de socialização) e académico (adaptação a novos meios e metodologias).
Um inquérito realizado pelas Associações e Federações Académicas mostrou que cerca de 55% dos estudantes do ensino superior enfrentou ou enfrenta problemas de saúde psicológica relacionados com a pandemia
Este quadro transformou, por completo, a experiência académica. Um inquérito realizado pelas Associações e Federações Académicas mostrou que cerca de 55% dos estudantes do ensino superior enfrentou ou enfrenta problemas de saúde psicológica relacionados com a pandemia, com consequências negativas no desempenho (38%) e necessidade de medicação (28%). Um dado preocupante prende-se com a baixa percentagem (apenas 17%) que procurou apoio psicológico, sendo que a maioria não conhece as soluções disponíveis ou não tem recursos económicos para lhes aceder. Este cenário, aliado à perda de rendimentos das famílias, pode traduzir-se no aumento dos números do abandono, na agudização das desigualdades de acesso ao ensino superior e no aumento da prevalência de problemas de saúde psicológica nesta população – que, consequentemente, aumentam a probabilidade de os manter ou desenvolver na vida adulta. O profundo impacto da pandemia na população estudantil volta a sublinhar a urgência de reforçar as respostas em cuidados de saúde psicológica, quer no SNS, quer nas instituições de ensino.
Persistindo a incerteza sobre a evolução da situação, é imprescindível preparar o próximo ano lectivo dotando as instituições de ensino de mecanismos e estratégias para enfrentar os efeitos da pandemia, recuperar aprendizagens e garantir o acompanhamento e apoio psicológico aos estudantes, nomeadamente através do reforço da presença de psicólogos nos gabinetes de apoio e serviços de psicologia. O papel dos psicólogos é essencial na acomodação das metodologias que, expectavelmente, ser irão manter. Entendendo-se a necessidade de as flexibilizar para possibilitar a adaptação a possíveis situações de crise, é preciso considerar que as plataformas digitais não substituem a interacção estudantes-professores. Os estudos portugueses têm ainda mostrado a importância do apoio de pares na promoção da integração e apoio psico-emocional, e como tal, o ensino à distância deve ser conjugado com um regime presencial como garantia do sucesso das aprendizagens e do desenvolvimento individual e social saudável. Os modelos mistos serão os que permitirão assegurar esta adaptabilidade, mas apresentam desafios que os psicológicos podem ajudar a enfrentar, como a necessidade de desenvolver competências sócio-emocionais (flexibilidade, tolerância ao stress, competência social, au- to-eficácia ou capacidade de regulação) e competências digitais específicas. Estas funcionarão como factores de protecção do impacto de resultados negativos e de promoção do bem-estar psicológico. As intervenções de promoção da saúde psicológica dirigidas a estudantes podem também ajustadas para professores e não docentes, contribuindo para o desenvolvimento saudável e integral e o bem-estar das comunidades educativas. Em suma, a intervenção dos psicólogos tem resultados positivos e custo-efectivos documentados e pode ser implementada a níveis diversos (promocional, preventivo ou remediativo), com vista à promoção de um ambiente facilitador da aprendizagem, da promoção de capacidades e competências e do desenvolvimento relações saudáveis, num contexto novo e que veio para ficar. O seu contributo é tão necessário quanto indispensável.