Com um milhão de trabalhadores em layoff e 350 mil desempregados, a CGTP-IN enfrenta a avalanche de ataques aos direitos dos trabalhadores. A encabeçar esta luta, Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP-IN desde fevereiro, destaca que é agora ainda mais evidente a necessidade de valorizar os serviços públicos e quem trabalha. Afirma também que o grande capital quer aproveitar-se da situação para aumentar a exploração.
Foi eleita secretária-geral no congresso da CGTP-IN que se realizou em meados de feve- reiro. Passado poucas semanas, o país via as primeiras medidas de restrição. Como está a ser o desafio de encabeçar a maior central sindical portuguesa nestas circunstâncias?
É um desafio difícil, fosse para mim, fosse para quem fosse. Naturalmente, ainda não tinha passado um mês do congresso quando rebentou esta situação tão complicada que estamos a viver e de facto é um desafio muito diferente para todos nós. Isto é uma situação que ninguém está preparado para viver mas que com o trabalho coletivo, com o coletivo da direção da CGTP-IN, e com a ligação muito forte aos trabalhadores, através dos sindicatos, temos vindo a dar resposta e a intervir para enfrentar não só o surto epidémico mas também aquilo que lhe tem estado associado como este brutal ataque aos direitos e condições de trabalho e de vida.
Como é que a CGTP-IN se adaptou a esta nova realidade?
Naturalmente, também adoptámos planos de contingência para prevenir o contágio, o que significa que há um conjunto de quadros dirigentes, e também da estrutura sindical, que estão a trabalhar à vez a partir das suas casas. Isto não significa que tenhamos fecha- do. Mantivemo-nos a funcionar a todos os níveis. Continuamos a ir aos locais de trabalho mas, como sabemos, há milhares de empresas e locais de trabalho que estão encerrados. Agora, temos um milhão em layoff, 350 mil desempregados e 200 mil que estão noutras situações de assistência à família e muitas outras situações. Temos de garantir a fiscalização e a intervenção para que sejam garantidos os direitos dos trabalhadores porque há um atropelo enorme em paralelo com esta epidemia.
Portanto, para além do contacto directo quando é possível, estamos a adaptar outras formas que já usávamos mas que não eram aquelas que privilegiavamos, como a internet, as redes sociais, os emails, as newsletters, que, no fundo, eram formas de contacto complementares.
Como é que a CGTP-IN vê a forma como os trabalhadores e a população estão a reagir à pandemia?
Os trabalhadores e a população, de uma maneira geral, estão a ter uma compreensão muito grande para a necessidade de proteção e, aliás, cumpriram as orientações da DGS e das autoridades relativamente ao confinamento e ao distanciamento sanitário, mesmo antes de ser decretado o estado de emergência. Por isso, a CGTP-IN manifestou junto dos órgãos competentes que não era necessário o estado de emergência, porque o nosso quadro legal e constitucional já previa todas as condições para serem tomadas todas as medidas sanitárias que fossem exigíveis.
Na prática, o que o estado de emergência veio trazer foram algumas restrições ao nível dos direitos, nomeadamente dos direitos dos trabalhadores, que nós contestámos desde o primeiro decreto e continuamos a contestar.
Um dos decretos presidenciais aprovado na Assembleia da República com o apoio do governo, e o surpreendente voto favorável do BE, abria portas à proibição do direito à greve e à possibilidade de se tomar decisões sem ouvir os sindicatos. Isto não é perigoso?
Dissemo-lo desde o primeiro momento, é perigoso e desnecessário. O direito à greve foi suspenso para alguns serviços considerados essenciais, o que não era necessário. Aliás, o governo já utilizou contra a nossa opinião e com o nosso desacordo em situações anteriores a requisição civil. Não era preciso sequer o estado de emergência para restringir o direito à greve e, no segundo decreto, suspendeu a obrigatoriedade da audição das associações sindicais relativamente à alteração da legislação do trabalho, o que também contestámos vivamente.
Também afirmamos os direitos dos trabalhadores, mesmo os direitos colectivos, e há orientações relativamente a manifestações e reuniões com limite de participantes que nós também consideramos que não são legítimas, que têm de ser proporcionais e adequadas às necessidades e a necessidade é de distanciamento sanitário e de proteção. Eventualmente com equipamento de proteção individual mas isso não impede qualquer tipo de reunião, manifestação, plenário, seja o que for. São direitos coletivos dos trabalhadores que neste momento são ainda mais necessários porque os trabalhadores estão a sofrer este brutal ataque e redução dos seus salários, postos de trabalho e direitos.
Parece que agora há uma unanimidade geral sobre a importância dos trabalhadores, que são vitais para as nossas vidas, mas quando exigem melhores condições de vida são alvo de todo o tipo de preconceitos e mistificações.
Antes dos trabalhadores, ia a outra vertente que é o próprio Serviço Nacional de Saúde (SNS) tão atacado, com um desinvestimento de décadas por parte dos sucessivos governos, incluindo mesmo por estes últimos governos do PS. Também o sucessivo desinvestimento noutros serviços públicos com a consequente desvalorização dos seus trabalhadores e não reconhecimento da importância que estes serviços têm para o bem estar e para o próprio país. Agora toda a gente fala do SNS, e ainda bem, mas ele já era, é e continuará a ser fundamental. Tal como a escola pública, a segurança social e outros serviços públicos que precisam de melhorar, quer na sua qualidade, quer na valorização dos seus trabalhadores. Valorizamos os profissionais de saúde e também todos os outros trabalhadores. Há uma grande unidade de pensamento nacional em relação a isto mas continuam a ouvir-se as vozes de quem quer é tirar direitos aos trabalhadores. O grande capital continua a querer aproveitar-se desta situação para não só não cumprir como retirar direitos aos trabalhadores.
Até ao momento, há cerca de um milhão de trabalhadores em layoff e mais 50 mil desempregados só em Março. Como é que se permite este assalto aos direitos dos trabalhadores?
Permite-se por opção do governo. Ao contrário do que foi a nossa exigência desde o primeiro minuto, nas medidas que tomou, optou por não proibir os despedimentos sejam eles quais forem e o que está a acontecer é que está a haver o despedimento tradicional, digamos assim, legal, oficialmente chamado de despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho, mas estão a acontecer depois todo um conjunto de despedimentos que são caducidades de contrato a termo certo, contratos de falsos trabalhadores que ocupam postos de trabalho permanentes.
Eu penso que ainda não tivemos nos dados do desemprego o verdadeiro reflexo e consequência de toda esta situação. Temos vindo, junto do governo e da Autoridade para as Condições do Trabalho, a exigir que se- jam revertidos todos esses despedimentos de trabalhadores que, ocupando postos de trabalho permanentes, tinham vínculos de trabalho precários, mas a verdade é que não houve vontade política para proibir todos os despedimentos. Tal como não houve vontade política para garantir, neste momento, que é um momento extraordinário, medidas efetivamente extraordinárias que garantissem a retribuição total dos trabalhadores, impedindo assim a situação que estamos a viver.
É uma opção do governo, que optou pelo grande capital e que permite, por exemplo, que grandes empresas com situações financeiras estáveis e milhões de lucros recorram ao layoff fazendo com que seja a segurança social a pagar uma fatia enorme dos salários. Não pode ser a segurança social a pagar isto. O Orçamento do Estado tem de repor estas verbas.
Como é que se concilia não proibir os despedimentos e a perda de salário quando empresas como a EDP distribuem dividendos entre os seus accionistas?
É inaceitável. E vamos ver quantas das empresas que recorreram ao layoff, que tiveram a maior parte dos salários pagos pela segurança social, é que vão distribuir dividendos aos seus acionistas.
Governos e forças de extrema-direita desvalorizam desde o primeiro momento a letalidade da doença. Em Portugal, patrões e banqueiros querem o rápido regresso à normalidade. O facto é que não estão reunidas as condições de segurança para os trabalhadores. Qual é a posição da CGTP sobre a retoma da actividade?
Acompanhámos desde o início as medidas sanitárias que foram tomadas e não contestámos a sua aplicação porque consideramos que a prioridade neste momento que estamos a viver é proteger a saúde e a vida de todos, mas garantindo os direitos dos trabalhadores e garantindo a sua proteção também.
Ainda nesta fase do estado de emergência, e antes da tal eventual retoma, exigimos que as empresas garantissem a distribuição de equipamentos de proteção aos trabalhadores. E o que está a acontecer é que muitas não criam condições para o distanciamento obrigatório e muitas até obrigam os trabalhadores a comprar os seus próprios equipamentos de protecção individual, como acontece na cadeia de supermercados Continente.
É obrigação das entidades empregadoras fornecerem esses equipamentos de protecção aos trabalhadores, bem como garantir a higienização dos locais de traba- lho e as condições para o distanciamento.
Em relação aos transportes sobrelotados, o que acontece é que temos um conjunto enorme de empresas de transportes que entraram em layoff e reduziram imenso a sua oferta de transporte público. Ora, isto é inaceitável. Já manifestámos ao governo que o alívio das medidas devem acontecer quando estiverem criadas as condições de segurança. Isso inclui a higienização e a oferta de transportes.
Quando António Costa diz que temos de começar a produzir aquilo que já não conseguimos importar da China, isto dá mais força à reivindicação de nacionalizar os setores estratégicos da economia?
Defendemos que os setores estratégicos devem estar na mão do Estado e não das grandes multinacionais e grandes empresas como está a acontecer e também defendemos que é necessária a reindustrialização do país, o reforço do nosso aparelho produtivo, temos de alterar este modelo que temos, em que vivemos das importações, e em que acabamos por ser um país de serviços, serviços que têm estado nos últimos anos virados para o turismo.
Com milhares de mortos em Espanha e Itália, a resposta sanitária da União Europeia à pandemia foi tardia. Entretanto, os apoios económicos anunciados são insuficientes. Afinal, para que serve a União Europeia (UE)?
A verdade é que esta UE não é a Europa dos trabalhadores e dos povos. É a Europa do grande capital, é a Europa dos países mais poderosos que são quem domina, e estamos a ver isso agora nas medidas que estão a ser discutidas, quer no eurogrupo, quer na comissão. O que se está a colocar são medidas que para já não são suficientes e depois não são equilibradas. Não garantem que aqueles que mais precisam são os que têm a maior fatia e aparecem como empréstimos que, neste momento, ainda não se percebe bem como é que vão ser pagos. Mas a fatura há-de aparecer, mais cedo ou mais tarde. Já passámos por isto na crise anterior quando durante a troika e com as consequências que teve para a nossa economia, para as condições de vida e de trabalho no nosso país.
Milhares de pessoas em todo o país cantaram a Grândola, Vila Morena à janela no dia 25 de Abril. Qual é o apelo da CGTP-IN para este 1o de Maio?
Assinalámos o 25 de Abril e acho que nesta situação, como afirma a CGTP-IN, os valores e as conquistas de Abril, adquirem uma importância ainda maior porque a revolução foi fundamental para as conquistas dos trabalhadores e do povo. O 1.º de Maio assume este ano também uma relevância ainda maior do que em anos anteriores. Com as medidas sanitárias que estão implementadas, não vamos realizar as grandes manifestações, concentrações e desfiles que costumam marcar este dia, mas isso não nos impedirá de trazer para a rua a voz dos trabalhadores. Por isso, vamos realizar iniciativas em vários pontos do país. Em Lisboa será na Alameda, garantindo a distancia sanitária e a proteção de cada participante. Vamos dar voz à indignação, ao protesto e à reivindicação dos trabalhadores e também dos reformados e pensionistas, que não poderão estar, tal como as pessoas em situações de risco e as crianças.
No ano em que a CGTP-IN cumpre 50 anos e em que o 1.º de Maio assinala 130 anos, vamos estar na rua em representação dessas centenas de milhares que estariam connosco e que estarão em suas casas, solidários também com esta luta e dando voz aos trabalhadores em layoff, os 350 mil desempregados e as muitas centenas de milhares que estão com os seus rendimentos reduzidos, com os seus direitos atropelados e que exigem melhores condições de vida e de de trabalho.