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A turistificação mata a cidade

Ali, bem no centro do Largo da Graça, local que todos tão bem conhecemos e o centro da vida para muitos de nós, há muitos anos que não nos é indiferente o abandono do Quartel. O edifício mais nobre e central fechado e a degradar-se! Mas aquilo que era uma tristeza, virou motivo de preocupação e sobressalto. O Governo, com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, prepara-se para entregar aquele edifício público ao grupo Sana e transformar aqueles mais de 1500m2 num hotel de cinco estrelas com 120 camas para turismo!

Todos nós sentimos todos os dias na pele os efeitos deste Turismo massificado e desregulado: nós e os nossos filhos expulsos dos nossos bairros e aquilo que eram as nossas casas viraram Alojamentos Locais. Os bairros transformam-se e as relações de vizinhança perdem-se. É uma cidade descaracterizada e sem vida.

É caso para dizer que primeiro levaram-nos as casas, agora levam-nos o Quartel. E este é apenas um exemplo das erradas políticas públicas seguidas pelo Governo e pela Câmara Municipal de Lisboa, que em vez de defender e melhorar a cidade para dar qualidade de vida a quem cá vive e trabalha, trabalha em prol dos interesses daqueles que especulam e lucram com as casas, actuando activamente na expulsão de quem cá vive para alojar este turismo.

É tempo de lutar pelo direito à habitação – pelo direito à Cidade! E isso começa na nossa rua, no nosso Bairro!

2024 fica inevitavelmente marcado pela deterioração significativa da acessibilidade à habitação em Portugal. Uma das principais falácias que tem sido avançada por quem especula com a habitação para manter e promover os seus interesses é a narrativa da “falta de oferta” – Não há falta de oferta! Vejamos, nos Censos 2021 tínhamos mais de 720 mil casas vazias no país, das quais, mais de 350 mil estavam disponíveis no mercado. As Casas estão cá, precisam é de ser direccionadas para a habitação própria e permanente a preços justos e acessíveis, coincidentes com os rendimentos daqueles que vivem e trabalham em Portugal e precisam de Casa para Viver.

Mas temos de facto um problema de falta de habitação pública – Portugal tem apenas 2% de habitação pública, contrastando com a média da União Europeia que supera os 8%, sendo que alguns países como os Países Baixos atingem os 34,1% de habitação pública, ou a Áustria 23,6%, ou Dinamarca 21,4%, ou o Reino Unido 16,7%, ou a França com 14%, ou Irlanda 12,7%, ou a Islândia com 11,1%, ou a Finlândia com 10% ou a própria Suíça com 8%.

É perante este paradigma que a opção de tornar o Quartel da Graça em mais um Hotel se revela completamente errada. Não alteramos a situação que vivemos no país sem aumentar a habitação pública e é para essa finalidade que o Governo e a CML deviam virar aquele e outros imóveis públicos que temos espalhados pela cidade, como são exemplo o complexo dos hospitais civis da colina de santana alienados pelo Estado e a maioria dirigidos a Hóteis ou como é também exemplo o antigo Ministério da Educação ali na Avenida 5 de Outubro que foi desocupado com o pressuposto de ser transformado numa residência estudantil e agora a CML vem dizer que o mesmo não está apto para esse fim, e dias depois licencia mais um Hotel para o mesmo espaço. Arre porra que é demais! É à descarada! Não pode ser!

E tudo isto ocorre no ano em que segundo o INE o preço médio de um metro quadrado em Portugal estava, em novembro, nos 1740 euros mensais, sendo que este valor representa mais do dobro do salário mínimo nacional (820 euros) e está 200 euros acima do salário médio que subiu, no final deste ano, para 1528 euros. Ainda assim, face aos salários de 2023, 65% dos jovens e 70% das mulheres recebem remunerações abaixo dos 1000 euros. Estes números agravam-se e muito quando falamos da realidade da cidade de Lisboa. Mas, mais uma vez, estes números demonstram que não há, ao contrário do que se diz, um problema de oferta: há um problema de incapacidade financeira daqueles que vivem e trabalham em Portugal em obter casa a preços compatíveis com os salários, reformas e pensões praticados no nosso país.

É perante isto que importa continuar a lutar, em cada bairro, em cada cidade, por todo o país! Em 2024 saímos à rua em 27 de Janeiro e 28 de Setembro, com grandes manifestações nacionais que se realizaram em simultâneo em mais de 20 cidades do país! Em 2025 esta luta precisa de crescer! E isso depende de cada um de nós! E desse contributo e participação activa de cada um de nós depende o futuro das nossas cidades e da defesa das nossas casas!

É fundamental mais habitação pública. É necessário regular o valor das rendas e aumentar a duração dos contratos de arrendamento para um período não inferior a 10 anos, é necessário pôr os lucros da banca a suportar o aumento do crédito à habitação, é necessário pôr fim aos despejos sem alternativa de habitação digna, é necessário rever e limitar o Alojamento Turístico e os benefícios fiscais dos residentes não habituais, é necessário aumentar a oferta de alojamento estudantil, é urgente mobilizar todos os devolutos para a oferta de habitação pública.

Vamos à luta, pois só com a luta imporemos as políticas de habitação que fazem falta a quem vive e trabalha na nossa cidade e no nosso país e travaremos o passo à especulação! Vamos!

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