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O Acumulador, de João Melo

João Melo é dos autores de maior prestígio da nova geração da novelística angolana. Nascido em Luanda, em 1955, estudou advocacia e jornalismo, foi um dos fundadores da União de Escritores Angolanos e da Academia Angolana de Letras e Ciências Sociais. Escritor profissional desde 2020, João Melo já publicou até este seu recente livro de contos, O Acumulador, mais de 26 títulos, divididos entre poesia, conto, ensaio e um romance.

Este novo livro de contos de João de Melo, O Acumulador, insere-se numa nova vaga da literatura angolana, muito crítica da situação política e social daquela grande nação africana, gerada na sequência da independência, em 1975 e concretizada na pós-guerra civil, com a vitória do MPLA. O pícaro, o humor que atravessam textos como os de Pepetela, nomeadamente os que são protagonizados pelo detective Jaime Bunda, ou de Ondjaki, sobre uma nova vaga de meninos-família e dos seus tiques de novo-riquismo, ou, numa visão mais séria e comprometida a de José Eduardo Agualusa. A escrita de João Melo balança entre estes dois territórios narrativos: a análise mais séria da realidade angolana e da sua história recente, ou o desarmante pícaro com que desconstroi alguns figurões da cena política actual.

A corrupção, a vertigem pelo dinheiro fácil e pela opulência que o poder permite, a mediocridade, a empáfia de algumas criaturas que se passeiam pelas passadeiras da governança, fazem a substância de uma escrita poderosa e lúcida, que viaja pelos caminhos de um humor sadio, demolidor e crítico, tendo como alvos privilegiados alguns títeres que ocupam as cadeiras do poder. É uma forma de escrutínio dos abusos do poder, que entre nós teve os seus cultores, como Eça, dos Abranhos e José Cardoso Pires e o seu Dinossauro Excelentíssimo, e que a nova novelística angolana prossegue com brilho.

O Acumulador, de João Melo, abre com um belo conto nostálgico, sobre a infância do autor nos velhos bairros de Luanda, ainda ao tempo colonial, Kinaxixe, Maianga, Cazenga, Sambizanga, ao qual segue o conto que dá título à colectânea, e que é, no seu pícaro de boa linhagem, uma reflexão crítica do passado colonial e suas feridas, e do pragmatismo que hoje comanda os destinos de Angola: Quando, em 92, abandonámos a maluquice de querer implantar o dito socialismo marxismo-leninismo nos trópicos, a fim de regressarmos ao capitalismo, descobrimos que, afinal, não tínhamos capitalistas… Neste imbróglio estrutural, o Estado tratou de criar, entre os seus apaniguados, uma série de capitalistas, em estado novo. Eis a tese de João Melo, não isenta de atropelos e inusitados finais – que o não são, de todo.

Um livro que olha para a realidade política e social de Angola, com um discurso divertidamente crítico, que se lê com prazer.

O Acumulador, de João Melo – Editorial Caminho/2024

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