O seu centenário calhou ainda no tempo da ditadura. A democrata Elina Guimarães lamentou-se então: “É triste e injusto que seja tão pouco celebrado” [República, 17.06.1972, p.3].
Mas aqui, na A Voz do Operário, essa efeméride foi nessa altura assinalada e de forma destacada, com um extenso artigo biográfico pela professora Judite Vieira. Curiosamente, o mesmo número do jornal inseria também um artigo da própria Elina de Guimarães.
Hoje em dia, o Movimento Democrático de Mulheres, na sua página de internet, recorda o contributo de Ana de Castro Osório para a causa do feminismo em Portugal. Mas assinala que foi marcado “por uma preocupação contraditória e elitista quando esta defendia aguerridamente e, justamente, a educação para as mulheres mas condenava, por exemplo, a greve das conserveiras de Setúbal que lutavam pelo aumento de salários”.
Na A Voz do Operário
Ana de Castro Osório colaborou pontualmente no jornal A Voz do Operário. Em 1913 contribuiu com um artigo intitulado “A mulher de ontem e a de hoje”.
É um texto de crítica às representações da mulher que estavam sendo feitas no teatro português da época, nomeadamente em relação às questões da família e do amor.
Recorre a um exemplo da época medieval para sublinhar o atraso que nessa matéria se verificava neste país: “a discussão sobre se a mulher tem ou não direito a querer ser um indivíduo autónomo e respeitável nos seus actos […] lembra-me aquela celebrérrima discussão dos doutores da igreja sobre se a mulher teria ou não teria alma”, em que ficaram a “maior parte, senão todos os sábios doutores, muito anchos com a convicção de que, na verdade, a mulher era um ser… desalmado” [A Voz do Operário, 09/03/1913, p.1].
Nesse artigo, uma das peças criticadas, com o título A noite do calvário, é da autoria do dramaturgo português então mais em voga, Marcelino Mesquita. O enredo gira em torno de uma mulher adúltera cujo amante acaba por morrer. Para Ana de Castro Osório, o autor “podia ter feito um drama sintetizando verdadeiramente, flagrantemente, a alma moderna; podia mas não quis”. E contrapõe o exemplo do então já falecido dramaturgo norueguês Henrik Ibsen: “desse eterno tema, o adultério […] o que não sairia passado pelo cadinho da alma redentora de Ibsen”, autor que considerava um “evangelizador genial do feminismo” e “apóstolo da luminosa ideia que há de guindar a humanidade a maior altura” [ibidem].