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Saúde

Saúde, questão central das nossas vidas

Nunca a saúde pública foi tão importante na vida dos portugueses. A enfrentar uma pandemia inédita no nosso tempo de vida, milhares de profissionais constituem o exemplo de como o Serviço Nacional de Saúde é uma das principais conquistas da luta dos trabalhadores e das populações. Apesar dos desinvestimentos, das insuficiências e das portas abertas aos privados, o acesso de todos à saúde é direito constitucional que não tem preço.

Faltam poucos meses para que se celebrem 45 anos do dia em que a Assembleia Constituinte aprovou a Constituição da República Portuguesa e lançou as bases daquele que foi apontado, ao longo de décadas, como um dos melhores sistemas públicos de saúde a nível global. Em 2017, o norte-americano International Business Times colocava Portugal entre os cinco melhores países, do mundo, na prestação de cuidados de saúde. No artigo, salientava-se, em relação a Portugal, que este alcançou, em cerca de 50 anos, uma das mais baixas taxas de mortalidade infantil do mundo. Esta foi de apenas 2,92 mortes por cada 1.000 nados-vivos em 2015, contra 85 mortes por cada 1.000 nados-vivos em 1960. Uma diferença avassaladora que mostra a importância da decisão de fundar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) em 1979. Então, o International Business Times punha Portugal no grupo de países como o Canadá, Luxemburgo, Coreia do Sul e Alemanha tendo como base critérios como a prevenção e a erradicação de doenças, a vacinação e a prestação de apoio psicológico.

Mas se a taxa de mortalidade infantil sofreu uma queda vertiginosa com a democratização do acesso à saúde, a taxa de mortalidade materna passou de 115,5 mortes por cada 100 mil mulheres para o pico mais baixo em 2000 de 2,5 mortes. De facto, estes números ilustram as palavras do médico Carlos Silva Santos à Voz do Operário em 2019: “O atraso técnico-científico da medicina era enorme e o regime fascista não identificou nenhuma necessidade de melhorar a situação”. 

O médico aposentado que foi docente da Escola Nacional de Saúde Pública, coordenador do Centro Regional de Saúde Pública de Lisboa e Vale do Tejo e coordenador nacional do Programa de Saúde Ocupacional atribui a esses médicos e ao secretário de Estado da Saúde, António Galhordas, logo em 1974, “o lançamento das bases para a criação de um SNS com acesso a todos os cidadãos”. Em junho de 1975, o 4.º governo provisório, de Vasco Gonçalves, “cria por despacho a mais profunda e efetiva medida operacional que estendeu os cuidados de saúde a toda a população, antecipando na prática o SNS que viria a ser plasmado na Constituição publicada em 1976”.

Vacinação contribuiu para aumento da esperança de vida

Outro dos grandes avanços da medicina moderna teve em Portugal uma profusão sobretudo depois da revolução. Apesar de o Plano Nacional de Vacinação (PNV) ter sido lançado em 1965, depois de 1974 dá-se a massificação da luta pela erradicação de um número muito superior de doenças. Até então, o combate centrava-se na tuberculose, tétano, varíola, difteria, tosse convulsa e poliomielite. Hoje, o PNV inclui, para além destas, vacinas contra a hepatite B, doença invasiva por Haemophilus influenzae b, infeções por Streptococcus pneumoniae, doença invasiva por Neisseria meningitidis C, sarampo, parotidite epidémica, rubéola e infeções por vírus do papiloma humano.

De facto, o papel do SNS na vida dos portugueses teve como consequência o aumento substancial da esperança média de vida. Em 1970, a expetativa de vida para ambos os sexos era de 67,13 anos. Em 2018, era de 80,93.

Em 1976 a Constituição passou a afirmar no artigo 64.º que “todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover” e que incumbe prioritariamente ao Estado “garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação, bem como uma racional e eficiente cobertura médica e hospitalar de todo o país”.

SNS também fica doente

Mas nem tudo foi pacífico na constituição do SNS. Em 1979, PSD e CDS votaram contra este instrumento do Estado para assegurar o direito à saúde dos portugueses e não foram poucas as vezes em que o caráter público do SNS foi posto em causa. Parcerias público-privadas, taxas moderadoras, encerramento de centros de saúde e falta de profissionais foram alguns dos problemas a enfrentar.

Logo em 1982, apenas três anos depois da primeira Lei de Bases da Saúde, PSD e CDS-PP, tentaram descaraterizar a essência do SNS através de uma proposta legislativa do governo PSD/CDS/PPM liderado por Pinto Balsemão que visava a alteração de cerca de quarenta artigos da lei. Só não foi possível porque o Tribunal Constitucional se opôs ao conteúdo da iniciativa. Mas nesse mesmo ano, acabaram com o serviço médico à periferia sem terem organizado a sua substituição. Daí em diante os cuidados primários de saúde deixaram de conseguir assegurar uma cobertura total. Hoje, há mais de 700 mil utentes sem médico de família.

Oito anos depois, em 1990, foi aprovada uma nova Lei de Bases da Saúde que integrou a ideia da gestão dos hospitais por regras empresariais. Nela previa-se, por exemplo, o apoio ao “desenvolvimento do setor privado da saúde […] em concorrência com o setor público”, dando espaço à “criação de incentivos à criação de unidades privadas e na reserva de quotas de leitos de internamento em cada região de saúde”. Outra das novidades foi a abertura à ideia da “mobilidade entre o setor público e o setor privado” como objetivo da política de recursos humanos da saúde. Isso traduziu-se, de facto, num forte crescimento do setor privado da saúde, quase sempre acompanhado por efeitos negativos no SNS, sobretudo ao nível da competição por profissionais do setor. 

Com Durão Barroso, pretendeu-se transformar os hospitais integrados na Rede de Prestação de Cuidados de Saúde em diferentes figuras jurídicas, incluindo “sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos” e “estabelecimentos privados, com ou sem fins lucrativos, com quem sejam celebrados contratos”. O governo de coligação entre o PSD e o CDS-PP abria também portas aos protocolos com privados. Mediante autorização do Ministro da Saúde, os hospitais passavam a poder “associar-se e celebrar acordos com entidades privadas que visem a prestação de cuidados de saúde, com o objetivo de otimizar os recursos disponíveis”. 

Durante o período da troika, os cortes na despesa com a saúde entre 2010 e 2013 foram superiores a 1.300 milhões de euros, ficando 30% abaixo da média da despesa pública em função do PIB na União Europeia. Desapareceram, do serviço público, mais de três mil camas e paralelamente cresceram nas unidades hospitalares privadas cerca 2500. Em 2019, imediatamente antes da eclosão da pandemia, um relatório da Comissão Europeia denunciava a falta de investimento de Portugal na saúde. Estava nos 9,1% do Produto Interno Bruto (PIB) quando a média da União Europeia (UE) era de 10,2% do PIB. A despesa pública em saúde também caiu para 6,1% do PIB, quando na UE a média é de 7,8%. Per capita, esta despesa representa menos de metade da média da UE (de 1.297 para 2.609, em paridade de poder de compra).

Nos últimos anos, os partidos à esquerda do PS conseguiram viabilizar a redução das taxas moderadoras, o alargamento da contratação de médicos e enfermeiros, a redução de custos com os medicamentos e a inscrição de novas vacinas no Plano Nacional de Vacinação. Mas o facto é que apesar da aprovação de uma Lei de Bases de Saúde o governo decidiu não só manteve como avançou com novas Parcerias Público-Privadas.

Contudo, apesar de todos os sobressaltos no caminho, incluindo a falta de milhares de profissionais e de milhares de camas hospitalares e em particular de cuidados intensivos, as intermináveis listas de espera para cirurgias e consultas da especialidade, é o SNS que assegura, neste momento, o duro combate à pandemia de covid-19. Em peso, dezenas de milhares de profissionais de saúde estão na linha da frente de uma guerra, apesar dos baixos salários e da falta de meios. Se é certo que esta batalha resultou no cancelamento de milhões de consultas, no adiamento de milhares de cirurgias e na fragilização dos cuidados de saúde primários, este instrumento de saúde pública tem salvo a vida de milhões de portugueses desde 1979.

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