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O espasmo mediático que leva a direita ao poder

O espasmo esofágico de Ventura fazia abertura de telejornais que acompanhavam a viagem do líder do Chega, numa ambulância, sem escapar o “furo jornalístico” da sua entrada no hospital público, acenando para as câmaras e para os comentadores, em estúdio, interpretando o esgar de Ventura.

Para que este espasmo televisivo demorasse muitas mais horas que a azia de Ventura, o pivot da TV convocava repórteres de outras campanhas, intimando-os a suplicar comentários aos restantes candidatos sobre a súbita indisposição. O circo mediático estava montado e reformulada a agenda eleitoral, na última semana de campanha. No dia seguinte, a novela continuaria com mais um episódio burlesco: Ventura saía das urgências, expondo medalhas da guerra, tendo como fundo pormenores técnicos do duro combate da medicina contra a acidez, sossegando o vasto público das TV: Ventura tinha sido poupado às longas horas de espera, ultrapassando as macas dos demais cidadãos nos corredores e isolado da “gentinha” que ali acorre sem direito ao protocolo VIP, o mesmo tratamento com que Luís Montenegro tinha sido contemplado uns dias antes.

A ironia desta narrativa carnavalesca é que tudo isto se passara num cenário de hospital público, com Ventura e Montenegro a contracenar com técnicos de emergência pré-hospitalar, cuja greve, uns dias antes, tinha sido denegrida pela direita, com médicos de um SNS, cuja melhoria de direitos e condições de trabalho toda a direita vetara na Assembleia da República, na expectativa de ver privatizada a saúde.

Este episódio remete-nos para uma frase de Yves Citton, professor de Literatura e Média na Universidade de Paris que, no seu livro “MYTHOCRATIE Stohytelling et imaginaire de Gauche” explica que há quem acredite “que basta encontrar a ‘história’ certa para levar os burros às urnas, as ovelhas ao supermercado e as formigas ao trabalho”.

Como refere Hugo Dionísio, investigador da CGTP, citando Citton, a democracia liberal já não é propriamente uma democracia, mas antes uma “mediarquia” ou “publiocracia”. É o poder mediático quem constrói primeiro as narrativas que dão respaldo aos discursos de figuras públicas gerada e promovidas em estúdio.

Atentemos a outro exemplo: O alinhamento noticioso em horário nobre de CNN, CMTV e SIC, privilegiando o crime, mais ou menos violento, pescando-o no Portugal profundo, se assim tiver de ser, “insinua, sugere e estimula” a famigerada percepção de insegurança que, uma vez repetida diariamente, passa então a ser assunto inscrito na agenda mediática, assumindo o estatuto de realidade social passível de ser tema central de comentário televisivo.

Lembramo-nos todos do episódio da rusga da PSP no Martim Moniz, seguindo “instruções” do governo, segundo o ministro da Presidência, Leitão Amaro, e o elogio do presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas. Era mais uma peça para o puzzle montado na construção de uma narrativa, para mobilizar o eleitor no ódio aos migrantes asiáticos e à imigração em geral, que passava a ser, mais uma vez, tema central da agenda política mediática, apagando temas como o custo de vida, os salários baixos, a habitação, a saúde, a escola pública, ou a guerra. O resto fez o Chega, ligando a imigração ao crime, explorando a perceção de insegurança, ainda que em contraponto com a realidade, porque, como refere Citton “contar uma história a alguém significa, de facto, não apenas articular certas representações de ações segundo certos tipos de encadeamentos, mas também conduzir a conduta daqueles que nos escutam.”

O efeito eleitoral desta esquizofrenia mediática não deixará de ser contraditada pela realidade social e, tudo aponta, para que, à semelhança do que aconteceu entre 2008 e 2014 elas, as realidades, se confrontem nas ruas.

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