Porque a confusão é muita, convém, antes de mais, clarificar como funciona o sistema de segurança social. O sistema de segurança social público, universal e solidário é fundamental para garantir a segurança económica de todas as pessoas, dos trabalhadores no activo e reformados e das suas famílias e um instrumento crucial para o combate à pobreza, às desigualdades e à exclusão social e para o reforço da coesão social. Dados sobre a taxa de risco de pobreza indicam que antes de qualquer transferência social, 40,3% da população está numa situação de pobreza, passando para 16,6% após transferências.
Com vista à garantia dos direitos, o sistema de segurança social integra duas componentes: i) o sistema previdencial, contributivo, que é financiado pelas contribuições dos trabalhadores e dos empregadores e garante prestações na doença, no desemprego, na parentalidade, bem como pensões de velhice, sobrevivência e invalidez; ii) o sistema de solidariedade, não contributivo, financiado pelo Orçamento do Estado (impostos), que atribui apoios a quem se encontra em situação de pobreza ou exclusão social, como o RSI, o CSI e as pensões sociais.
O sistema previdencial é a parte central do sistema público de segurança social, a parte directamente ligada ao trabalho, que assenta nos princípios da contributividade e da solidariedade profissional e intergeracional, o que significa que os trabalhadores pagam as suas contribuições em solidariedade com todos os que estão no activo, incluindo situações de substituição de perda de rendimentos do trabalho e também com aqueles que já se reformaram, construindo uma cadeia solidária que vem do passado e se projecta para o futuro, garantindo a todos a devida protecção nas horas de necessidade.
Vários governos têm usado a necessidade de garantir a sustentabilidade do sistema previdencial da segurança social como pretexto para adoptar medidas para reduzir os direitos sociais dos trabalhadores, como foi o caso da introdução do factor de sustentabilidade e do aumento da idade da reforma.
Apesar de todos estes ataques, a segurança social está robusta e tem registado saldos positivos. O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) – um fundo de garantia de pagamento de pensões futuras – acumulou, até ao final de 2024, 35,9 mil milhões de euros, o que correspondia a 24,9 meses de despesa com pensões. Acresce o excedente da Segurança Social, que no último ano foi de 5,5 mil milhões de euros. Apesar disso, ou talvez por causa disto, a pressão para introduzir reformas no sistema não pára, sobretudo porque o que o Governo pretende é satisfazer os interesses do capital financeiro, que quer transformar as reformas dos trabalhadores e a sua segurança económica futura num negócio chorudo.
Para atingir este objectivo, o Governo PSD/CDS-PP nomeou um Grupo de Trabalho para “estudar” a reforma do sistema previdencial da segurança social e do sistema de pensões, pondo em marcha um novo ataque ao sistema de segurança social público, universal e solidário e aos direitos dos trabalhadores.
Um grupo de Trabalho cujas conclusões sabemos de antemão, uma vez que a coordená-lo está Jorge Bravo, membro do Instituto de pensões do BBVA e, entre outras ligações, consultor da APFIPP – Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios. É este o “especialista” contratado para desenvolver o “estudo”. Um “especialista” que difunde a falsa teoria segundo a qual a sustentabilidade da segurança social e os excedentes que agora apresenta são um mito, porque se está a ignorar o défice da Caixa Geral das Aposentações e os dois sistemas deviam ser analisados em conjunto.
O sistema previdencial do sistema público de segurança social e o regime fechado de pensões dos trabalhadores em funções públicas sustentado na Caixa Geral de Aposentações são dois sistemas inteiramente distintos, com princípios, objectivos e formas de financiamento muito diferentes. Misturar estes dois regimes é uma manobra destinada a confundir e a preparar o terreno para introduzir medidas que fragilizam e subvertem o sistema público de segurança social, para introduzir mecanismos de “capitalização individual” a serem geridos pelos fundos de investimento que colocam na especulação os descontos feitos pelos trabalhadores, prática que, onde foi implementada, não raras vezes tem redundado em bancarrotas e perdas para os trabalhadores.
O sistema previdencial da segurança social precisa de ser melhorado. O valor médio das pensões é baixo e há uma instabilidade sempre presente com o constante aumento da idade de acesso à reforma. Voltar a fixar a idade de acesso nos 65 anos é uma medida que não implica alterações profundas na arquitectura do Sistema. A elevação do valor das pensões, por outro lado, exige, além de um mecanismo de actualização anual justo, o aumento geral e significativo de todos os salários e a valorização do trabalho e dos trabalhadores.
Não há reformas dignas no futuro com salários de miséria no presente.