A 16 de fevereiro de 2025, celebramos o Centenário de Carlos Paredes, músico militante a quem negam tantas vezes a parte da sua biografia que influenciou a sua forma de pensar a arte e a cultura. Homenagear Carlos Paredes sem uma referência à sua educação para lá da guitarra, à sua militância política, à resistência antifascista, à sua cultura, à sua conceção de cultura, ao seu trabalho e à sua relação com a cidade e com os seus semelhantes é uma violação da sua memória e da memória da luta do povo português pela sua emancipação.
Não será difícil fazer uma breve biografia de Carlos Paredes recorrendo a uma simples pesquisa online. Abre-se o motor de busca, escreve-se “Carlos Paredes” e lá está, uma biografia do Museu do Fado ou da Wikipedia onde podemos ler sobre a cidade onde nasceu em 1925, a sua origem familiar, um destaque significativo ao seu percurso musical, uma referência à sua prisão e ao seu saneamento da função pública por ser “opositor ao Estado Novo” e, por algumas vezes, lá se encontra uma nota da militância no Partido Comunista Português. Com mais dificuldade encontraremos menção, mesmo que singela, à sua intervenção ativa na transformação democrática, na luta pela democratização do acesso à cultura.
Apesar de ter nascido em Coimbra, Carlos Paredes foi muito cedo para Lisboa. Esta foi a cidade que conheceu e que viveu como uma dança entre dois amantes. Mais do que conhecer o seu percurso pela música, importa conhecer o seu percurso pelas ruas da cidade, umas vezes anónimo, outras já como um célebre gigante; um percurso da sua casa, ali para os lados do Campo Santana, para o Hospital de São José ou para o Cais do Sodré, onde apanhava o barco para a outra margem, com o estojo da guitarra na mão, para fazer um recital na Cova da Piedade ou no Barreiro, para outros trabalhadores como ele.
É nesse caminho que vamos encontrar Carlos Paredes e com ele desvelar a realidade de um país e de um povo que não aceitou ficar condenado ao esquecimento. A música de Paredes não vai senão revelar essa mistura de sentimentos, entre a saudade e a esperança, essa batalha permanente contra a clausura de uma história oficial de falsos heróis e de feitos que nada acrescentaram a uma vida melhor para o seu povo.
Para Paredes, o papel do artista não era servir-se da arte, mas pôr-se ao serviço da arte para construir o futuro. Esta perspetiva não pode, de forma alguma, ser desligada da sua dimensão política, do homem, do comunista que intervém no seu meio com objetivos inequívocos de transformação social e cultural – da escolha dos temas da sua música à disponibilidade para ir de terra em terra levando o som de uma guitarra com gente lá dentro, gente que, como ele, trabalhava o dia inteiro a construir as cidades para os outros.
Depois do 25 de Abril, o prestígio de Carlos Paredes, que lhe permitiu ser acolhido nos salões das elites, não o impediu de continuar a construir um país mais democrático e a afirmar a sua militância. Foi uma figura central na dinamização da Festa do Avante! e de tantas outras iniciativas populares às quais atribuía um significado de dimensões maiores do que aquelas que aparentavam ser. Colaborou com dezenas de artistas de outras expressões culturais mostrando as possibilidades da cooperação.
Apesar da sua aparência absorta, Paredes foi sempre muito clarividente nos desafios que se colocavam ao país e à sua cultura. Sem se desviar um milímetro da sua linha ideológica, a sua arte é também um resultado dessa determinação. Nos 100 anos do seu nascimento, lembrar Carlos Paredes pelas suas convicções e pelo projeto que acreditou ser aquele que libertaria os povos da exploração e lhes devolveria a cidade é a maior homenagem que lhe podemos fazer.