Comecemos pelas boas notícias. O Ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, numa Audição Parlamentar no início do mês de Julho, requerida pelos grupos parlamentares do PCP e do Bloco de Esquerda, referiu aumentos significativos das verbas de apoio às artes para o ciclo 2023/2026, o aumento do número de entidades apoiadas, assim como do respectivo valor desse apoio, e admitiu que “é necessário mais” e que continuará “empenhado para que haja mais recursos para o funcionamento destas entidades todas.” Com efeito, os números falam por si: o apoio a projectos sofreu um aumento de 22%, 10 milhões de euros, no ano de 2022, voltando a subir 11% em 2023; na modalidade quadrienal dos concursos de apoio às artes verificou-se um aumento de 81,3 milhões para 148 milhões de euros; nos apoios sustentados verificou-se um aumento das entidades apoiadas, passando de 186 para 212; e também subiu o patamar máximo a que as entidades se podem candidatar, para 55 mil euros. Já em pleno mês de Agosto, após a divulgação da lista de entidades apoiadas no Programa de Apoio a Projectos – Procedimento Simplificado 2022, Pedro Adão e Silva anunciou um novo reforço de 4 milhões de euros para o novo Programa de Apoio a Projectos, nas áreas de criação, programação e internacionalização, num concurso a abrir no próximo mês de Outubro.
No entanto, estes números e estes aumentos anunciados não parecem satisfazer a comunidade artística que, em Carta Aberta ao Ministro da Cultura a 13 de Agosto, após a divulgação da listagem deste último concurso, afirma acreditar no empenho do Ministro em “conhecer e valorizar o sector que representa”, salientando que “o aumento que se tem verificado na dotação dos Apoios da Direção Geral das Artes não corrige o sub-financiamento destas políticas e muito menos acompanha o extraordinário crescimento do tecido artístico, com um número crescente de profissionais com cada vez mais capacidades, com mais projetos e mais diversos, […] contribuindo para a garantia dos direitos culturais consagrados na Constituição da República Portuguesa.” Nesta carta aberta, assinada por 9 estruturas representativas do sector, 176 entidades, 2042 pessoas e 3 na categoria de outros, questionam ainda o atraso na divulgação dos resultados destes apoios, reafirmando a necessidade de manter a abertura do próximo concurso para Outubro, como anunciado, e reivindicam o “reforço com efeitos imediatos do orçamento do programa de Apoios a Projeto”, assim como “um efetivo aumento do OE para a Cultura”.
Estas reivindicações e a indignação gerada no sector das artes com os últimos resultados anunciados de apoios da DGArtes são fruto deste último processo, que já começou atropelado. Diversas associações e profissionais do sector alertaram para o possível aumento exponencial de candidaturas a este Programa de Apoio a Projectos, uma vez que mais de metade das entidades ficou de fora dos apoios bienais (apenas 33,7% receberam apoio) por não ter havido reforço financeiro nessa modalidade. Por outro lado, as candidaturas ao Programa deveriam ter sido abertas em Outubro, mas só abriram em Dezembro, o que veio atrasar todo o processo, juntamente com o aumento de candidatos, sendo os resultados divulgados apenas a 31 de Julho, para projectos que já deveriam estar em andamento no início do mês de Junho. Por fim, apesar dos anúncios de reforços financeiros consecutivos, os resultados anunciados desanimam qualquer um: das 521 candidaturas consideradas válidas apenas 25% foram apoiadas; das 364 elegíveis, 124 receberam apoio e 240 ficam de fora por falta de verbas.
Considerando os reforços financeiros para os apoios às artes continuamente anunciados e considerando ainda o empenho e preocupação demonstrados pelo actual Ministro de Cultura em valorizar o sector, continuamos a verificar uma enorme discrepância nas tomadas de decisões que contribuam para uma mudança estrutural e efectiva no apoio à Cultura, nomeadamente na manutenção de uma fatia ínfima do Orçamento de Estado de apenas 0,43%. As escolhas financeiras e políticas que os sucessivos governos vêm fazendo demonstram bem que este não é um sector que considerem prioritário ou fulcral para o desenvolvimento da sociedade. Senão, como explicar que artistas e associações/companhias artísticas andem ano após ano a pedinchar algumas bóias para se manterem à tona de água, perdendo tempo em organizar candidaturas e burocracias, às vezes de três em três meses, quando nos damos ao luxo de financiar um evento de uma das instituições mais ricas do mundo em mais de 80 milhões de euros por uma semana, enquanto que para estes 240 projectos artísticos elegíveis bastavam cerca de 1 milhão e cem mil euros?