O título desta crónica pode levar a pensar que ela se afasta dos temas usuais centrados, normalmente, em aspetos do ordenamento regional do território ou da carência de alojamento para o maior número. Aborda-se agora o papel das Ordens como associações profissionais e da sua relação com os utentes do seu trabalho, isto é, da população em geral.

Uma das mais imaginosas propostas da nossa constituição democrática foi a criação das associações de direito público, quando o Estado delegou em grupos de cidadãos, livremente organizados, “poderes regulatórios e disciplinares com o dever de estes orientarem a sua missão apenas pelo interesse público”, ou seja, sem caráter sindical, patronal ou empresarial.

A associação profissional dos médicos deveria ocupar-se do direito à saúde dos seus concidadãos, a dos advogados do direito à justiça, a dos engenheiros da segurança e da transformação do território e a dos arquitetos do direito à arquitetura. 

Terá sido esta última a primeira a assumir o estatuto de associação de direito público e a primeira e talvez até agora a única que instituiu a figura do Provedor da Arquitetura “como via para a sociedade civil pôr questões, expressar críticas, formular queixas e apresentar aspirações no domínio da Arquitetura.”

As questões chegadas ao Provedor nos primeiros mandatos podem ser assim tipificadas:

Questões relacionadas com a qualidade da Arquitetura que aqui se exemplificam num caso impressionante e um dos primeiros a ser apresentado. O pai de uma criança, deficiente motora, queixou-se que, pretendendo adquirir uma casa, não tinha encontrado nenhuma que não tivesse barreiras arquitetónicas intransponíveis e que perante um caso evidente (três ou quatro penosos degraus entre a entrada do prédio e os elevadores) recebera do vendedor do imóvel a explicação chocante e discriminatória de que “os deficientes entravam pela garagem e metiam-se no monta-cargas.”

Atuou o Provedor, junto dos órgãos representativos da classe, das entidades licenciadoras e diretamente em colóquios e pela comunicação social junto dos arquitetos para que se praticasse entre nós uma arquitetura para todos.

Queixas, apresentadas por profissionais e pela população, sobre a lentidão dos processos de licenciamento: Obter a aprovação de uma licença de construção, seja a simples abertura de uma janela num sótão, de uma pequena oficina ou de uma fábrica, de um hotel, seja grande ou pequeno, é ver-se envolvido num processo Kafkiano. Os instrumentos de planeamento são ambíguos e muitas vezes a apreciação dos processos é arbitrária e isto mais nas grandes cidades que em quaisquer outros sítios.

O Provedor fez eco destas queixas, dos órgãos competentes da classe profissional e das entidades licenciadas, mas pode constatar-se com mágoa que longe da situação ter melhorado ela se apresenta hoje muito pior.

Questões abordadas no que diz respeito ao acesso à profissão:

Não houve problemas enquanto ele foi feito exclusivamente através das escolas públicas de Lisboa e do Porto, mas quando o liberalismo se apossou do ensino e pelo país explodiram dezenas de outras escolas a qualidade do ensino terá decaído e a Ordem, que substituíra a Associação Pública, entendeu cercear o acesso à profissão. Tê-lo-á feito de modo canhestro, dentro de um espírito corporativo (“são os que já cá estão que dizem quem pode entrar”), instituindo um exame de admissão dispendioso para os candidatos, de modelo pergunta-resposta visando matérias abordadas nos cursos homologados pelo Governo e numa altura em que a investigação e a avaliação contínua já eram o fundamento da formação e da maturidade necessárias para o exercício da profissão. 

A conjugação de esforços de potenciais candidatos, das Universidades, do Provedor e o recurso à jurisprudência fizeram retroceder tal procedimento ficando a Ordem com a responsabilidade exclusiva da organização de estágios, versando aspetos da prática profissional e, dentro do verdadeiro espírito europeísta, dos deveres da classe para com a sociedade onde se insere.

Artigos Relacionados