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A luta que forjou A Voz do Operário há 142 anos

O jornal A Voz do Operário celebra no dia 11 de outubro 142 anos. É quase século e meio de história a dar voz à classe trabalhadora. Centenas de mulheres e homens fazem parte desta construção coletiva, do mais antigo jornal operário português em circulação. Somos passado, mas também futuro. Queremos ir onde outros não vão, falar do que outros calam.

Foi pelas mãos de operários tabaqueiros que este jornal nasceu há 142 anos atrás, em Outubro de 1879, num beco de Alfama.

Estudioso e promotor do associativismo popular, Costa Goodolfim escrevia nesse tempo que “a classe dos operários do tabaco é de todas assim como as dos operários das minas a mais desgraçada. Os salários são pequeníssimos, a matéria em que trabalham danifica-lhes horrorosamente a saúde. Contemple-se a cara desses míseros e ver-se-há a sombra pálida da morte debuxada nas suas faces. Não é necessário mais do que entrar numa fábrica e ver-se-há como aquele pó subtil nos sufoca, a dificuldade com que respiramos” [Costa Goodolfim (1876), A Associação, p.126].

O problema não estava apenas nos baixos salários e no pó do tabaco. Um cronista do antigo movimento operário, César Nogueira, aponta que nos seus locais de trabalho os operários tabaqueiros “sofriam a mais crua exploração, vítimas de multas, horas excessivas de trabalho, maus tratos, pouca higiene e os aprendizes castigos corporais. Uma vida infernal”. Foi para se defenderem dessa “deplorável situação” que “surgiu a ideia de publicar um jornal” [República, 13/10/1962, p.1].

Por ocasião do 10º aniversário d’A Voz do Operário, em 1889, Costa Goodolfim vê uma esperança: “o movimento operário apresenta-se cada dia mais imponente, afirmam-se os direitos, tracejam-se planos de vastíssimo alcance social”.

A seu ver, “dois grandes elementos têm contribuído para estas conquistas; a associação e o jornal. A associação que é a força, o jornal que é a voz, que vai chamando à vida activa todos esses elementos que estavam inertes”. E aponta que a classe operária “compreendendo esta verdade tem procurado manter na imprensa o seu lugar, com jornais exclusivamente seus, e em que expande as suas doutrinas”. E “se todos os operários compreendessem tão nitidamente o poder que vem da solidariedade”, o seu movimento “teria alcançado já maiores vantagens” [A Voz do Operário, 13/10/1889, p.1].

Quando Goodolfim faleceu, em 1911, este jornal era um semanário com uma tiragem de 52 mil exemplares. Estava a publicar em folhetim a primeira edição em língua portuguesa de O Capital de Marx (na versão resumida por Gabriel Deville). E ainda cresceu mais, atingido uma tiragem semanal de 60 mil exemplares até 1917.

Foi “o maior jornal operário” em Portugal. E para o historiador José Tengarrinha, terá sido nesses tempos “o jornal que exerceu influência mais directa, mais longa e mais ampla sobre as lutas operárias” [Tengarrinha (1989), História da imprensa periódica portuguesa, pp. 243/4]

Em Outubro de 1915, o poeta e fadista operário Martinho d’Assunção dedicou este poema à Voz do Operário e ao seu redator à época, José Fernandes Alves:

Mensageiro de luz

Salvé! Salvé, jornal A Voz do Operário,

Que tanta luz vens dando ao povo produtor!

És para a humilde gente um facho educador,

Um poeta, um prosador, um belo doutrinário!

Que te posso ofertar pelo teu aniversário,

Merecendo o teu gesto um tão alto valor?

Mas que valias tu sem o teu redator,

O nosso Alves, mentor do teu vocabulário?

Envio-lhe com afeto a minha saudação,

Desejando para ti muita prosperidade,

Que eu veja longo tempo a tua ilustração.

Aniquilando o mal da pobre humanidade

E conduzindo a plebe à emancipação, 

Preparando o alvor para a Fraternidade!

[A Voz do Operário, 24/10/1915, p.4]

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