Ao longo de décadas de integração europeia, realizaram-se transferências significativas de soberania e de instrumentos responsivos próprios dos estados para os órgãos e instituições europeias e transnacionais, em contextos de crise. Uma situação que origina dependência, na procura de soluções, dentro do quadro da EU, sabendo-se de antemão que os estados não estão todos em pé de igualdade, havendo prevalência dos estados do centro da Europa sobre os estados mais pequenos e periféricos. Assim, construíram-se laços de sobreposição de países e interesses económicos e financeiros de uns sobre outros, com difícil compatibilização.
O contexto de crise económica atual, por força dos impactos da pandemia covid-19, e devido às limitações construídas em países como Portugal, carece, no quadro da UE, de respostas solidárias e comuns. Contudo, os primeiros sinais não são positivos.
Do que se vai sabendo, o plano de recuperação sugerido pelo Eurogrupo e pela Comissão Europeia, acompanhado por sucessivas referências de responsáveis políticos ao “Plano Marshall”, confirma receios de uma revisitação do plano utilizado na saída da 2o Guerra Mundial que, à época, concentrou recursos precisamente nas principais potências europeias (já hoje, são as grandes beneficiárias do “projecto europeu”) e nos seus grandes grupos económicos e financeiros.
A reunião do Conselho Europeu de 23 de Abril também não augura as respostas necessárias. Do que já se conhece da reunião do Conselho europeu e das suas conclusões, é que este fica marcado, desde logo, pela divisão entre estados (e respetivos interesses), pela ausência e adiamento de medidas e soluções concretas. Concluiu-se com a referenciação a um “Fundo de Recuperação” sobre o qual, no entanto, se desconhecem montantes e condições e que, perigosamente, deixa em aberto a redução do Orçamento da UE, o que pode abrir campo à retirada a países como Portugal de verbas da coesão. Assim, no âmbito deste Fundo, importará saber o que receberá ou poderá receber Portugal, por um lado, e quanto lhe poderá ser retirado, por outro.
No âmbito do Conselho, a divergência essencial, sobre a composição do Fundo, prende-se com uma maior dependência de subvenções ou um maior recurso a empréstimos a distribuir pelos Estados-membros (solução mais gravosa para Portugal, pois somaria à dívida já existente).
Significativamente, a reunião do Conselho Europeu revelou o quadro de complexidade deste processo, os diferentes interesses em contradição e respetivos jogos de sombras. Por um lado, o primeiro-ministro dos Países Baixos, Mark Rutte, mostrou-se contrário às subvenções, mas deixou o odioso desse ataque a membros da “família socialista” como Suécia e Dinamarca, enquanto cautelosamente, a chanceler alemã, Angela Merkel, recatou uma posição para após a apresentação da proposta da Comissão Europeia para o Fundo de Recuperação. Não obstante, a reserva de posição de Merkel no Conselho, a emissão de dívida conjunta para financiar o Fundo foi a solução que Merkel já apontara em reunião no Bundestag.
A situação é realmente complexa, e o tempo urge. Receando-se que a resposta europeia à crise económica seja tão eficiente e pronta como tem sido à crise sanitária: uma nulidade. Ao caso, pior que uma nulidade, pode ser uma oportunidade para agudizar desigualdades entre estados, concentrando-se poder e meios económicos e financeiros e, consequentemente, aumentado assimetrias e injustiças sociais dentro dos países, numa situação progressivamente gravosa.
Será uma perigosa ilusão, para o país, a crença de que a resposta para os problemas nacionais pode ser encontrada no estrito quadro da UE. Nem esta estrutura, nem os seus instrumentos políticos, têm essa vocação, pelo contrário. O que não significa que no quadro atual Portugal não se deva bater pelos seus objetivos próprios, plasmados na sua Constituição.
Ao nosso país importaria um reforço do Orçamento da União Europeia, que servisse para uma redistribuição de investimento, podendo ser feita uma efetiva coesão económica e social, que contrarie os desequilíbrios estruturais do funcionamento da UE e que permita que, internamente e soberanamente, os países respondam aos seus problemas. A Portugal não basta apenas que não existam corte nas verbas destinadas à coesão económica e social (com a saída do reino Unido, as contribuições de Portugal para o orçamento comunitário aumentam); o país precisa de acesso a financiamento em montantes e termos que não garroteiem o futuro do país. Justifica-se, assim, a possibilidade de financiamento direto do BCE aos Estados, nomeadamente através da compra direta de títulos da dívida pública nacionais, evitando a atual intermediação dos mercados financeiros, os ataques especulativos contra as dívidas soberanas e os lucros do capital financeiro à custa da redução das receitas que os Estados poderiam obter com uma venda direta de títulos da dívida ao BCE.