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Médio Oriente, na mira do imperialismo

Não há nada mais parecido com um barril de pólvora do que o Médio Oriente. Sob milhões de vidas que gostariam tão somente de poder viver em paz, jazem riquezas naturais que despertam desde sempre a gula dos Estados Unidos e das principais potências da União Europeia.

O imperialismo impõe a recolonização de uma região semeando cada país de bombas e metralha. Depois da provocação contra o Irão, com pompa e circunstância Donald Trump apresentou ao mundo o “acordo do século” como solução de paz para o conflito israelo-árabe no que diz respeito à questão da Palestina. Sem esconder a satisfação, o primeiro-ministro israelita assistiu, junto ao presidente norte-americano, ao anúncio, que fez do inquilino da Casa Branca, segundo Benjamin Netanyahu, o primeiro líder mundial a reconhecer a soberania de Israel nas áreas da Judeia e da Samaria, que são vitais para a segurança e centrais para o “legado” israelita.

O documento de 80 páginas prevê uma solução de dois Estados: um israelita e outro palestiniano, com a capital em Jerusalém Oriental, onde Trump afirmou que os Estados Unidos abririam uma embaixada. De acordo com o projeto, os colonatos israelitas na Cisjordânia seriam reconhecidos, em troca do congelamento da sua construção durante os próximos quatro anos.

“Este plano duplicará o território palestino e estabelecerá a capital do Estado palestiniano em Jerusalém Oriental, onde os EUA orgulhosamente abrirão uma embaixada”, afirmou, acrescentando que o acordo “acabará com o ciclo de dependência palestiniana da caridade e da ajuda estrangeira”. Mas Trump indicou que a iniciativa prevê que Jerusalém seja “a capital indivisível” de Israel recordando que já reconheceu esse estatuto em dezembro de 2017. Já o primeiro-ministro israelita, que considerou “histórico” o acordo proposto, recordou que o primeiro passo seria o reconhecimento de Israel como Estado judeu por parte das autoridades palestinianas, numa iniciativa que além de impedir o regresso dos refugiados palestinianos mantém a soberania de Telavive sobre o Vale do Jordão. As forças da resistência palestiniana, como o Hamas e a FPLP, devem entregar todas as armas e desmilitarizar a Faixa de Gaza. O “acordo do século” prevê ainda que a Palestina não tenha forças armadas próprias e que muitos dos seus recursos naturais sejam controlados por Israel.

Para além da revolta nas ruas por parte da população palestiniana, o presidente Mahmoud Abbas manteve uma pouco habitual conversa telefónica com Ismail Haniyeh, líder do Hamas, que governa o enclave de Gaza, para enfrentar o plano de paz anunciado pelo presidente norte-americano. Os líderes de todas as organizações palestinianas, incluindo o Hamas, reuniram-se, depois, em Ramallah, sede do governo palestiniano, para definir uma resposta comum, quando o plano de paz estava a ser apresentado, em Washington. Tanto a Liga Árabe como o Irão e a Rússia rejeitaram o plano. Numa entrevista, Dmitri Peskov, porta-voz de Vladimir Putin, insistiu que “existe todo um conjunto de resoluções do Conselho de Segurança da ONU” e que “está claro que algumas das disposições deste plano não correspondem de todo às disposições das resoluções do Conselho de Segurança”.

A África do Sul do Médio Oriente

Desde que foi criado, em 1948, o Estado de Israel representa os interesses do imperialismo norte-americano numa região rica em reservas de petróleo e outros recursos. Apesar de não assumir o seu arsenal de armas nucleares, é perfeitamente sabido que o Estado que melhor representa os interesses de Washington no Médio Oriente possui essa opção militar. Mas o apartheid que Israel exerce sobre o povo palestiniano não é a única semelhança com o anterior regime racista da África do Sul. O plano prevê justamente a criação de uma série de enclaves palestinianos muito semelhantes aos bantustões, onde viviam os negros, a que os governos brancos sul-africanos davam relativa autonomia para comprar alguma paz no seu território.

A África do Sul representou, aliás, os interesses do imperialismo na parte austral do continente africano e suportou durante muitos anos forças coloniais e reacionárias que lutavam contra quem procurava construir em vários países alternativas progressistas. Foi a derrota do exército sul-africano em Angola que iniciou o princípio do fim deste regime que mantinha, entre outras coisas, a Namíbia ocupada.

Já Israel, em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias, ocupou parte da Síria, onde se mantém, e do Egito e atacou a Jordânia e o Iraque, numa manobra que levou à colonização de mais territórios palestinianos. O Estado israelita agrediu também várias vezes o Líbano e tem tido uma participação ativa na guerra na Síria.

Irão na mira do império

Mas os interesses de Washington e, muitas vezes das principais potências da Europa Ocidental, expressaram-se ao longo da história de diferentes modos. É, sobretudo, depois da 2.ª Guerra Mundial que os Estados Unidos se impõem como primeira potência mundial e alargam o seu histórico de interferências ao mundo inteiro. Em março de 1951, o primeiro-ministro iraniano Mohammed Mossadegh anunciou a nacionalização do petróleo depois de vários setores políticos se mostrarem favoráveis à decisão. O Reino Unido já anunciara sanções económicas com o objetivo de asfixiar o país quando organizações clandestinas organizavam atentados dentro do país. Perante as ameaças de Londres, Mossadegh defendeu a posição assumida pelo seu governo ante o Conselho de Segurança da ONU e também perante o Tribunal Internacional, em Haia, onde nenhum dos organismos foi capaz de ir contra a nacionalização do petróleo iraniano. De tal forma que em 1951 o primeiro-ministro do Irão era considerado o homem do ano pela revista Time enquanto a imprensa ocidental insistia em descredibilizar Mossadegh.

Com um contexto interno complexo, o líder do governo iraniano tinha de enfrentar a oposição do xá Mohammad Reza Pahlavi, monarca daquele país. Em julho de 1952, Mossadegh demitia-se perante as pressões de Pahlavi e as ruas voltaram a devolvê-lo ao cargo no mesmo mês. Reforçado politicamente, anunciou mais medidas políticas de caráter progressista que desencadearam o ódio da oligarquia local e das grandes potências.

Nesse mesmo ano, agentes dos serviços secretos britânicos e da CIA planificaram uma ação que desembocou no golpe de Estado que derrubou Mossadegh no ano seguinte e repôs o poder do xá. Foi em 1979 que uma revolução depôs o regime iraniano afastando novamente Teerão da órbita imperialista. A rutura fez regressar novamente a conspiração contra o país, num assédio que se mantém até aos dias de hoje. Logo a seguir à revolução, os Estados Unidos incitaram Saddam Hussein a invadir o Irão com o apoio de Washington numa guerra que durou sete anos e deixou centenas de milhares de mortos.

O caos como forma de dominação

Mas se a intervenção direta do imperialismo esbarrou durante décadas com a existência da União Soviética, com prestígio em muitos dos países da região, o fim do bloco socialista no Leste da Europa abriu caminho a uma correlação de forças que conduziu a ações cada vez mais agressivas por parte de Washington e dos seus aliados. A primeira Guerra do Golfo contra o Iraque, desencadeada no ano em que a URSS se desagrega, foi o prólogo de um historial de intervenções que começou depois do ataque de 11 de setembro de 2001.

Logo em outubro desse mesmo ano, os Estados Unidos lideram o assalto ao Afeganistão contra os seus velhos aliados na luta contra o governo progressista naquele país. Os talibans que haviam instalado um regime autocrático viam-se agora na mira de Washington que dois anos depois organizavam a Cimeira dos Açores para fazer novamente soar os tambores da guerra agitando a mentira das armas de destruição massiva no Iraque. Foi o suficiente. Em 2003, uma coligação internacional rasgava as leis internacionais e invadia o Iraque.

Depois das guerras lideradas pelo presidente republicano George W. Bush, Barack Obama chegou para mostrar que nesta nova era os democratas continuam alinhados com os interesses imperialistas. Desta vez com o apoio mais ativo da União Europeia e com a NATO, braço armado do Ocidente, a vítima foi um dos países com melhores indicadores de desenvolvimento no continente africano. A 15 de fevereiro de 2011, começava a invasão da Líbia e queda de Muammar Khadafi lançando o país numa divisão tribal sem fim.

A recolonização da região avançou numa estratégia de agressão que assumiu velhas e novas formas, aproveitando o descontentamento popular, com elementos genuínos e também de ingerência externa, para impor governos alinhados com os interesses de Washington e da União Europeia. Em março de 2011, os protestos na Síria e a introdução de mercenários e grupos ligados à al-Qaeda, com o surgimento do Estado Islâmico, conduziram a uma guerra que teve o alto patrocínio da Turquia, Arábia Saudita, Israel, para além dos suspeitos habituais. Só a participação direta da Rússia e do Irão no apoio ao governo de Bashar al-Assad permitiu derrotar a ameaça de uma força obscura que deixou pelo caminho centenas de atentados na Europa e noutros lugares do mundo.

O imperialismo é um tigre de borracha

A entrada em cena de outros atores veio desestabilizar as intenções na região. Se o caos beneficiava a política norte-americana e europeia de subtrair àqueles países os seus recursos, a participação da Rússia e do Irão a pedido do governo sírio veio dar uma nova dinâmica à região. Hoje, praticamente todo o território sírio está libertado e pacificado à exceção da zona de Idlib, onde todavia se concentram forças terroristas, e da região onde se concentram os poços de petróleo à guarda das tropas norte-americanas com a permissão dos curdos. No Iraque, a provocação norte-americana contra o Irão através do assassinato do General Soleimani mostra como a influência de Teerão incomoda cada vez mais Washington que vê a sua força dissipar-se em todo o território. As negociações sobre a Líbia mostram também que aparecem outros atores como peças-chave para uma decisão que dê fim à guerra e, no Iémen, uma das mais bárbaras e silenciadas guerras, mostra como a Arábia Saudita não consegue impôr a sua força contra os Hutis.

Com a perda de influência económica, os Estados Unidos recorrem ao seu poderio militar para impor na região o saque de recursos ao velho estilo colonial impedindo cada povo de decidir o seu próprio futuro em paz.

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