O Centro Interpretativo do Estado Novo deverá abrir dentro de três meses no Vimieiro, em Santa Comba Dão, terra onde nasceu o ditador António de Oliveira Salazar, noticiou o Expresso. “Este será um local para o estudo da história do Estado Novo. Não um santuário destinado a nacionalistas nem um museu onde se vai diabolizar o estadista de Santa Comba Dão”, afirmou o presidente da câmara de Santa Comba Dão, Leonel Gouveia, ao Expresso.
O autarca eleito pelo PS não revelou qual a direção científica do projeto museológico nem os seus responsáveis, aludindo de acordo com o semanário à ligação do centro interpretativo a uma “Rota das Figuras Históricas” que, dissera o responsável há meses à Lusa, é um projeto com uma associação de desenvolvimento local.
Em declarações ao AbrilAbril, Domingos Abrantes, resistente antifascista, ex-preso político e conselheiro de Estado, lembrou que este objetivo já está há muito tempo em cima da mesa, por parte dos “saudosistas do fascismo”, acrescentando que o significado da iniciativa não pode ser menorizado. “Está em linha de continuidade com uma ofensiva que se tem vindo a intensificar de branqueamento do fascismo”, alertou.
Rebatendo o argumento de que um museu sobre Salazar possa ser neutro, afirmou que “é difícil imaginar que se possa tratar de um museu com vista ao esclarecimento do povo português e, sobretudo das novas gerações, em relação ao que foi o fascismo, a repressão, o obscurantismo, os assassinatos, durante 48 anos, do qual esta figura, não sendo única, é em grande parte responsável”.
A mesma opinião tem o historiador Manuel Loff que ao jornal Contacto considerou ser uma ideia “terrível” e que pode contribuir para criar um local de culto ao ditador. Ao Contacto, rejeitou as declarações do autarca de Santa Comba Dão e recordou que a democracia se construiu “sobre a rejeição do fascismo”. Defendeu ainda que a haver um espaço deste tipo tem de ter uma leitura crítica sobre o que foi o período da ditadura encabeçada por Salazar recordando que em Espanha as autoridades tentam retirar os restos mortais do ditador Franco do Vale dos Caídos para evitar as homenagens ao fascismo.
A ideia de um museu dedicado a Salazar em Santa Comba foi alvo de um inquérito em 2016 em que a maioria das vítimas do Estado Novo era contra o projeto, revelou também o Expresso. José Pedro Soares, ex-preso político, torturado pela polícia fascista em 1973, afirmou ao Contacto que é um “choque” esta notícia e que há quem queira “reavivar” o fascismo quando “há gente à espera justamente para fazer romarias como as que se vêem em Espanha”.
O dirigente da União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP) diz que é “ainda mais chocante” por se tratar de um autarca do PS. “Será que nesse museu vão pôr o nome da Catarina Eufémia, do Humberto Delgado, do Dias Coelho, das pessoas que o Salazar mandou matar? Será que vão pôr lá o nome das pessoas que mandaram torturar?”, questionou. Para José Pedro Soares, a iniciativa “serve para branquear o fascismo e é um insulto não só para os ex-presos políticos mas também para os democratas e antifascistas”.
O projeto autárquico de um museu em torno da figura de Salazar é antigo e já em 2007 mobilizava ativistas antifascistas em abaixo-assinados e petições pela oposição à sua criação. O Ministério da Cultura, então liderado por Isabel Pires de Lima, rejeitava a sua integração na rede nacional de museus.