Pode ler-se na página da Direção-Geral da Educação, sob a tutela do governo, que a prática da cidadania “constitui um processo participado, individual e coletivo, que apela à reflexão e à ação sobre os problemas sentidos por cada um e pela sociedade”. Nesse sentido, “o exercício da cidadania implica, por parte de cada indivíduo e daqueles com quem interage, uma tomada de consciência, cuja evolução acompanha as dinâmicas de intervenção e transformação social”. Para o Ministério da Educação, parece estar muito claro que a cidadania se traduz “numa atitude” e “num comportamento”, ou seja, “num modo de estar em sociedade que tem como referência os direitos humanos, nomeadamente os valores da igualdade, da democracia e da justiça social”.
Contudo, o exemplo que o Estado e as empresas dão aos cidadãos vai no sentido oposto e é cada vez mais evidente que a participação social, política, económica ou cultural, de forma individual ou coletiva, só é valorizada se não contrariar as decisões de quem detém o poder. Foi isso mesmo que aconteceu na Escola Secundária de Sampaio, em Sesimbra, no princípio do ano. Em conjunto com uma colega, Afonso Calixto, aluno do 10.º ano, decidiu recolher assinaturas de pelo menos 10% dos estudantes daquela escola para que legalmente fosse possível convocar uma reunião geral de alunos para o dia 25 de fevereiro, com o objetivo de debater problemas existentes naquela secundária. O resultado foi além do esperado. Conseguiram 224 assinaturas, cerca de 25%, bem acima do necessário.
“Depois entregámos as assinaturas à direção da escola. Foi a uma sexta-feira e disseram que nos davam uma resposta depois”, recorda Afonso Calixto. Na semana seguinte, tentaram obter mais informações e perceberam que a direção tinha invocado um código de procedimento administrativo, o que na opinião do aluno foi a “primeira barreira” colocada para impedir a realização da reunião geral de alunos. “Alegaram que tinham um prazo legal para dar uma resposta e dar um local. Também disseram que nos respondiam até ao final da semana e não o fizeram. Na semana seguinte, voltámos lá e os ânimos escalaram. Não nos respondiam aos emails. Acabámos por escrever ao Instituto Português do Desporto e Juventude, ao Conselho Nacional de Juventude, à Câmara Municipal de Sesimbra e ao Ministério da Educação. E fizemos isso no sentido de que estavam, no nosso entender, a boicotar a realização da reunião ao não responder aos emails”, descreve.
Sentindo que tinham a legalidade do seu lado, os estudantes decidiram que era para avançar com a reunião geral de alunos e começaram a afixar cartazes na escola, explicando também que os participantes teriam falta justificada se atendessem ao encontro. “Arrancaram-nos os cartazes uma hora depois de os metermos. Depois, fomos à direção na tentativa de reaver os nossos cartazes e de perceber o porquê. É um direito constitucional nosso, nós podemos, aquele é um edifício público e nós podemos afixar cartazes. Portanto, isto foi um rol de problemas e de barreiras que foram dirigidas contra nós, estudantes”. Afonso Calixto acusa vários membros da direção da escola secundária de os insultar e de os intimidar com processos disciplinares. Posteriormente, a direção terá impedido estes estudantes de usar a reprografia para imprimir os materiais de apoio à reunião geral de alunos e fez chegar um comunicado às salas de aula a avisar a comunidade educativa de que esta reunião não estaria autorizada e que as faltas não seriam justificadas.
“Estavam desesperados e não se percebe a razão. Supostamente, é uma escola que defende a intervenção cívica dos estudantes”, afirma. No dia seguinte, num ambiente de medo e tensão, cerca de meia centena de alunos decidiu desafiar a ameaça das faltas injustificadas e da reunião considerada ilegal pela direção. Foram discutidos problemas da escola em torno de duas moções apresentadas no encontro e, de acordo com Afonso Calixto, foi “uma grande conquista” e o reflexo da “intervenção democrática dos estudantes”.
Mas o pior estava para vir. Depois da paragem letiva do Carnaval, a direção da escola decidiu abrir um procedimento de averiguações e começou a questionar professores e alunos sobre a reunião geral de alunos. Esse processo concluiu uma ata que propunha que Afonso Calixto e outra aluna fossem obrigados a fazer trabalho comunitário no ambiente escolar durante três semanas. Segundo o aluno, tratava-se de limpar a escola, uma medida que considera “humilhadora”. Era isto ou três dias de suspensão. Os pais dos alunos procuraram apoio jurídico e foi apresentado um recurso à decisão. A resposta foi uma redução de três para um dia de suspensão e a manutenção das três semanas de trabalho comunitário em alternativa. Afonso Calixto assegura que tanto ele como a colega nunca terão sido ouvidos em todo este processo. Sem qualquer aviso, nem sequer ao advogado, o aluno descobriu que estava suspenso no dia em que tentou entrar na escola e foi barrado. A primeira a ser alvo de uma suspensão foi a aluna, decisão contestada com uma concentração dos estudantes à porta da escola.
Apesar de todo o processo, Afonso Calixto continua a acreditar na participação dos estudantes embora tenha sentido alguma desmotivação por ter esbarrado numa direção escolar que considera não apoiar a intervenção democrática. “Claro que ficamos cada vez mais cansados e debilitados por não conseguirmos fazer nada. Somos alunos de mérito e acaba por se refletir um pouco nas notas toda esta pressão”. Mas promete não baixar os braços e diz que os estudantes não podem permanecer no silêncio quando estes ataques acontecem. “Devemos procurar sempre intervir e fazer valer os nossos direitos”.
Câmara de Almada chama polícia contra trabalhadores da autarquia
Há cerca de um mês, aconteceu o impensável. O chefe do gabinete da presidente da Câmara Municipal de Almada chamou a polícia para condicionar um protesto sindical onde dezenas de trabalhadores contestavam as políticas de Inês Medeiros. Dias antes, os trabalhadores da WeMOB, a empresa municipal de regulação do estacionamento e mobilidade, concentraram-se nos Paços do Concelho para exigir o aumento intercalar dos salários, com o objetivo de repor o poder de compra, também a retoma da negociação das carreiras e a melhoria das condições de trabalho. De acordo com o dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local, Pedro Rebelo, a autarquia não cumpre sequer o regulamento municipal imposto aos trabalhadores e dá um exemplo. Na Fonte da Telha, conhecida zona balnear, há vários fiscais da empresa municipal que ali trabalham a tempo inteiro sem qualquer infraestrutura onde possam descansar ou comer. A recomendação é que recorram aos mesmos estabelecimentos que devem fiscalizar.
Nesse sentido, fizeram um pedido de reunião com a autarquia sem qualquer resposta. Daí partiram para a ideia de fazer uma concentração à frente da Câmara Municipal, com uma paralisação de duas horas. No primeiro dia, a vice-presidente aceitou recebê-los mas alegou que Inês de Medeiros estava de férias e, como tal, não podia tomar quaisquer decisões. Em resposta, decidiram prolongar o protesto por mais dois dias. Ao terceiro, segundo Pedro Rebelo, os trabalhadores meteram um cartão no chão e, por cima, começaram a assentar tijolo para escrever nesse pequeno muro “reivindicar é construir”. Foi então que o chefe do gabinete de Inês de Medeiros saiu à rua e exigiu a retirada dos tijolos. Os trabalhadores afirmaram que tanto as faixas como esse muro provisório seriam retirados no fim do protesto. “Acabou por chamar a fiscalização da câmara que, por sua vez, chamou a PSP. Apesar de o trato ter sido correto, chegou com um dispositivo desproporcional”, denunciou o dirigente sindical. Sem dar resposta às reivindicações dos trabalhadores, “o executivo esforça-se por condicionar a luta de quem trabalha”.
Posteriormente, foram à reunião de câmara e confrontaram a presidente da autarquia recordando que a subida da extrema-direita nas eleições legislativas também se devia a políticas que não melhoram as condições de vida dos trabalhadores e que abrem caminho ao populismo. “A presidente da câmara acabou a dizer que a responsabilidade do novo contexto eleitoral era dos sindicatos”.
Banco francês ameaça trabalhadores que participem em reuniões sindicais
A notícia chegou através do AbrilAbril há poucos dias. Um plenário convocado pelo Sindicato dos Trabalhadores da Atividade Financeira (SINTAF), afeto à CGTP-IN, foi proibido pelo BNP Paribas, levando o sindicato a chamar a polícia. Como resposta, o advogado do banco ameaçou as centenas de trabalhadores que aderiram com processos disciplinares.
Com 8 mil trabalhadores em Portugal, o BNP Paribas é um dos maiores grupos financeiros da Europa. Nesse sentido, não deixa de impressionar o número de funcionários que participaram nos dois últimos plenários: 800. De acordo com Rodrigo Azevedo, dirigente sindical, ao AbrilAbril, a empresa chegou mesmo a mandar, através de um advogado seu, um e-mail ao sindicato a ameaçar todos os que participassem de que estariam a desrespeitar as “obrigações decorrentes do seu contrato de trabalho”. O objetivo era ameaçá-los com um processo disciplinar no caso de decidirem participar no dito plenário. O inusitado aconteceu no dia 26 de junho quando o próprio sindicato teve de chamar a polícia para obrigar a empresa a cumprir a lei e permitir a realização do plenário. Impedidos de entrar nas instalações do BNP Paribas, quando três centenas de trabalhadores já estavam no plenário através da internet, o sindicato acusa ainda a instituição bancária de não dar acesso aos contactos de quem se encontra em teletrabalho.
De acordo com Rodrigo Azevedo ao meio digital, este bloqueio ocorre também nos escritórios: o BNP não tem um placard sindical, usando isso como justificação para destruir todo o material do sindicato, “por não estar disposto em local próprio” que não existe. É também impedido o acesso a algumas salas aos dirigentes sindicais, alegando a empresa “que está em causa a protecção de dados”. Segundo este dirigente, o BNP Paribas recusa 90% das reivindicações dos trabalhadores e, em troca, quer instituir “um banco de horas e um regime de adaptabilidades”. Apesar dos lucros obtidos, não há abertura para a negociação da tabela salarial proposta pelo SINTAF.