Para ficar claro: quando falo de educador e educadora falo de toda pessoa adulta a trabalhar com as crianças e a cuidar do seu projeto de aprendizagem. São os técnicos e técnicas da ação educativa, os e as educadores/as de infância, os e as professores/as, o pessoal especializado.
Nos seus artigos, para contextualizar alguns aspectos do projeto educativo d’A Voz, diretores pedagógicos colocam, mais do que uma vez, o acento no Conselho de Ação Cooperativa. Não é por acaso. É onde a ação se prepara, se acompanha e se avalia. Por quem participou no processo todo, adultos e crianças.
Convém lembrar que a maior parte do trabalho do educador é invisível.
De fora, somos habituados a ver só alguns aspetos da escola. Vemos as coisas feias da escola de instrução: a seleção, o catalogar de crianças, os desvios dos exames quando não se valoriza o que sabem, mas só se mede quanto um ser complexo, como uma criança humana, se desvia da norma e daquilo que lhe foi instruído, como se fosse um treino profissional.
Vemos as coisas bonitas da escola do entretenimento e da apresentação: as festas, a alegria das crianças e dos adultos nas danças, nas exibições.
É certamente mais importante do que ver as coisas feias.
De fora, raramente vemos conscientemente o dia a dia da escola.
Raramente vemos “com olhos de ver” a escolha que todo o educador e toda a educadora faz.
Dito de forma simples, um adulto a trabalhar com crianças tem duas possibilidades.
Seguir consciente ou inconscientemente o canon da escola da instrução, a escola sentar-e-ouvir, como dizia Edward Peeters em 1904, é uma opção.
Outra opção é escolher conscientemente a escola do diálogo e da interação para guiar cada uma das crianças no seu projeto de aprendizagem.
É um continuum no qual qualquer educador(a) adulto(a) num país com a escolarização instituída se inscreve. E mesmo quando opta conscientemente pela escola do diálogo, há armadilhas.
Um dos equívocos subtis é quando cientistas da educação baralham colaboração com cooperação. Alguns vão ainda mais longe e colocam os dois conceitos numa linha evolutiva, bem em concordância com o mundo empresarial. Da primitiva cooperação, evolui-se para a culturalmente evoluída colaboração, dizem alguns.
Trata-se, porém, de duas formas de estar completamente diferentes.
Paulo Freire refere-se à diferença como trabalhar com, ou trabalhar para.
É difícil definir para si próprio se quer cooperar ou colaborar se não se definir para si o que significa ter autoridade.
A autoridade decorre para uns da autoria, para outros do autoritarismo.
Um educador ou uma educadora com autoria, autor de algo, também do Saber que se construiu, sabe por experiência própria que precisa da cooperação para avançar. A sua autoridade advém daquilo que aprendeu. Um(a) educador(a) é antes de tudo um ser aprendente.
Quem só ensina, decreta e não aprende, detém certamente autoritarismo, mas não necessariamente autoridade de autor. Impõe coercivamente o que lhe foi ensinado no modelo da escola da instrução. Um(a) educador(a) autoritário(a) não precisa dialogar. Na melhor das hipóteses organiza um falso diálogo em que reduz as perguntas de quem quer aprender para os assuntos sobre a qual tem uma resposta construída. Um dogma.
A cooperação, trabalhar com o outro, é certamente difícil.
Trabalhar com é criar obra em conjunto, é construir em conjunto e numa relação horizontal, entre autores que têm diferentes tipo de autoria. É dialogar entre todos e todas para oferecer aquilo sobre a qual tem autoridade. Formula-se, em conjunto, um projecto de aprendizagem a partir de uma pergunta inicial de uma pessoa ou um grupo de pessoas. Por norma, a pessoa adulta educadora tem mais para oferecer do que a pessoa criança educadora, porque teve mais tempo para desenvolver a sua autoria.
Esta pessoa educadora acompanha dia após dia profissionalmente as crianças, colocando a si próprio e aos interlocutores as perguntas para melhor entender como guiar a criança da escola básica, através da sua enorme vontade de aprender coisas. Sabe que aprender custa, doí muitas vezes, é desgastante. A arte de aprender, a matética, é uma arte que também só se aprende em cooperação.
A colaboração, trabalhar para o outro pode até travar o crescimento da outra pessoa.
Trabalhar para decorre de uma relação vertical. Eu trabalho para ti, pode significar que estou a ti sujeito, o aluno para o professor, o empregado para o empresário, o servo para o seu mestre. E há quem inverta. Eu trabalho para ti significa, então, eu represento-te. Eu faço para ti o que tu não és capaz de fazer. Chego ao ponto de pensar por ti, porque tu não és capaz de o fazer. E digo que te desvias da norma porque não fazes o que te imponho fazer.
Um projeto de aprendizagem não é um projeto empresarial. Um projeto de aprendizagem é um salto para o desconhecido, é um inquirir de coisas que queremos saber. E os ‘porquês’ de que tanto gostam as crianças lideram bem melhor este projeto do que os ‘comos’ dos adultos. Daí a tentação da pessoa adulta transmissiva de transformar porquês em ‘comos’.
Decidir proporcionar um meio onde só é permitido a colaboração ou construir um onde se opta por cooperar para criticamente desenvolver projetos de aprendizagem é uma escolha política. A escola nunca é neutra, ela é sempre uma opção política. Paulo Freire respondia a um governador: a sua escola é tão política como a minha, só que em sentido inverso.
A escola da instrução é a instituição do aprender a obedecer e seguir, em que uns utilizam o saber para limitar os outros ao dogma que propõem.
A escola do diálogo é a instituição do pensamento crítico em que todos utilizam o saber para procurar soluções provisórias e para formular novas hipóteses.
Entre nós procuramos aprender a instituir a cooperação. Frequentemente de forma invisível.
