No último mês, muito discutimos a utilização das redes sociais devido aos casos de violação de mulheres, com destaque para a violação da jovem em Loures e subsequente partilha do ato pelos agressores nas redes sociais. Descobrimos igualmente que um militar violou uma mulher e partilhou o vídeo com amigos, incluindo um superior, no Whatsapp. Nos dois casos a justiça foi branda e ainda mais grave foi o fato de que quem viu os vídeos não denunciou às autoridades. As redes sociais são um verdadeiro desafio para a boa convivência e a organização social, mas não são a causa dos comportamentos agressivos ou desviantes – são sim, atualmente, o melhor meio de expressão e atuação dos mesmos, em parte devido ao anonimato que possibilitam.
Focando nos jovens, a influência nociva das redes sociais é preocupante, considerando que as plataformas digitais são o local predileto de socialização, aprendizagem e expressão desta faixa etária. Na maioria dos casos, não existe qualquer mediação entre o conteúdo produzido e os usuários e a produção do conteúdo não é regida por normas éticas ou deontológicas previamente acordadas. A ausência de mediação do conhecimento e a privatização do mesmo é um fenómeno muito recente e só agora as instituições tradicionais, e em particular a família, estão a reflectir sobre as respostas e mecanismos de controle a desenvolver, sobretudo porque o espaço digital se tornou uma fonte inesgotável de informação falsa e de incitamento ao ódio e à violência em diferentes campos. E aqui não podemos ignorar o campo da misoginia e do velho sexismo que, através do alcance global das redes, estão em ascensão, conquistando cada vez mais espaço e influência online.
A “manoesfera” é um proto-movimento político online, constituído por várias comunidades (cujos membros são especialmente homens jovens ou rapazes) que se alimentam de ressentimentos, mentiras e da crença de que as as feministas oprimem os homens, que as mulheres não estão a cumprir o seu dever de domesticidade e que a igualdade entre mulheres e homens é uma degeneração civilizacional. Como tal, é necessário regressar à época de ouro do patriarcado e enviar as mulheres de volta não só para a cozinha, mas também para a “cama”, uma vez que a função das mulheres é servir sexualmente os homens. Qualquer ato de rebeldia deve ser admoestado com mão de ferro e os homens deverão impor a sua natural autoridade. A manoesfera, a par da pornografia, é uma escola para muitos dos rapazes e sobretudo para aqueles que se sentem desenquadrados e desacompanhados na escola ou na família e é ali que encontram respostas e orientações para a vida.
Mas se o discurso tem tanto sucesso entre os jovens, é porque estruturalmente existe uma percepção generalizada da inferioridade das mulheres que encontramos na cultura popular, no cinema, na publicidade e inclusive nas relações familiares. As redes sociais só vieram projetar a voz de homens misóginos que se tornaram influenciadores com milhões de seguidores. Na ausência de mediação tradicional, a misoginia e o sexismo deixam de ser comportamentos socialmente naturalizados para se tornarem num movimento político e num culto ao Chefe sem quaisquer barreiras, colocando em causa a segurança comum. Mas esta violência não é recente nem é fruto das redes sociais: serve-se delas para prosperar.