Sociedade

País

O porquê de Portugal ser o país que mais arde na Europa

A Europa nunca tinha ardido tanto. Os incêndios deste verão expõem a forma como as alterações climáticas, a negligência com a terra e o capitalismo transformam as florestas em combustível.

Já ardeu mais de um milhão de hectares este ano na União Europeia por causa dos incêndios florestais, o que representa o valor mais elevado desde que os registos oficiais começaram em 2006, segundo dados da UE. Cerca de um quarto da área ardida, (quase 300 mil hectares) registou-se em Portugal, de acordo com dados do Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais da UE (EFFIS).

A área ardida total em Portugal chega já a 3,04% do território. Em média, nos últimos 18 anos, a percentagem foi de 1,05%, três vezes mais do que a da Grécia, que ocupa o segundo lugar. No Estado espanhol, que está a viver uma das piores vagas de incêndios da sua história, já ardeu 0,81% do seu território – 413.992 hectares.

Portugal é o país que mais arde na Europa em termos absolutos desde há várias décadas. Este ano tivemos o maior incêndio da história do país – em Piódão o fogo consumiu cerca de 64 mil hectares.

Em conjunto, Espanha e Portugal representaram cerca de dois terços da área ardida da UE. Os dados do EFFIS revelam um aumento acentuado dos incêndios florestais entre 5 e 19 de Agosto, um período que coincidiu com uma onda de calor de 16 dias na Península Ibérica.

Alterações climáticas estão a agravar os incêndios florestais

Existe um consenso científico na relação existente entre as alterações climáticas e o aumento da probabilidade de incêndios florestais extremos em todo o mundo. Segundo a revista Nature, o ritmo de crescimento dessa probabilidade tem sido de 5,2% por década, entre 2002 e 2015.

Na Península Ibérica, por exemplo, entre 2001 e 2021 os incêndios florestais espalharam-se de uma forma muito mais acelerada, entre 2% e 8,3% mais rápida, do que no período pré-industrial. Também podemos concluir, através de estudos recentes, que este tipo de incêndios extremos são entre 88% e 152% mais prováveis em zonas florestais com o clima atual.

A aceleração das alterações climáticas e o subsequente aumento dos incêndios, que segundo James Hansen – considerado o “pai do aquecimento global” – pode ser bem pior do que o calculado pela maioria dos modelos climáticos, é uma realidade inegável que tudo indica estar apenas no início.

O monocultivo de eucaliptos em Portugal

É sabido que o cultivo de eucaliptos, como crescem rapidamente, reduzem drasticamente a disponibilidade de água no solo para outras plantas e animais. Além disso, são altamente inflamáveis e aumentam o risco de incêndios florestais.

Portugal é o país com maior área plantada de eucalipto na europa em termos absolutos (sim, em termos absolutos, não em área relativa) e com a maior área relativa de eucaliptal do mundo – 10% da superfície do território, ou seja, perto de 900 mil hectares. Essa realidade coincide com o facto de Portugal ser o país com a menor área pública florestal da Europa e um dos países com maior área do seu território abandonada pelos proprietários e herdeiros. Todos estes fatores ajudam a explicar o enorme problema que o nosso país tem com os incêndios todos os anos.

O problema não é novo, mas tem culpados. Os sucessivos governos nas últimas décadas incentivaram a mercantilização da floresta Portuguesa e o abandono do mundo rural. A cultura intensiva de eucaliptos tem vindo a crescer exponencialmente, ajudada por políticas governamentais, como é o caso da chamada lei dos Eucaliptos. Esta lei, aprovada pelo Governo de coligação PSD-CDS em 2013, fez com que 81% das ações de arborização ou rearborização em Portugal tenham sido de eucaliptos entre 2013 e 2018.

A aprovação deste tipo de leis são fruto da forte influência que a indústria da celulose exerce sobre o poder político. Não é por acaso que vemos Francisco Gomes da Silva, o secretário de Estado que aprovou a Lei dos Eucaliptos, tornar-se diretor-geral da Associação da Indústria Papeleira. Esta promiscuidade entre o Estado e a indústria da celulose não é nova. Nas últimas décadas, podemos identificar, entre ministros e secretários de Estado, pelo menos 14 personalidades do CDS, PSD e PS que tenham tido cargos nas celuloses depois de terem exercido os seus cargos políticos.

Actual governo cortou 44% das verbas destinadas para as florestas – o equivalente a 114 milhões de euros

Esta redução drástica de apoios públicos pôs em causa a gestão florestal e a prevenção de fogos rurais. Ou seja, apenas 5% dos territórios vulneráveis a incêndios foram apoiados por investimento público. Para termos uma ideia, Portugal é o terceiro país que menos investe na protecção contra incêndios, o equivalente a apenas 0,3% da despesa governamental. O resultado está à vista.

Estes incêndios não são fenómenos isolados nem “naturais”. São expressões de um sistema que destrói o país e o planeta, acelerado pelas alterações climáticas induzidas pela nossa ordem socioeconómica e agravado por políticas de ordenamento do território que estão directamente ligadas à acumulação, ao lucro e ao crescimento.

Artigos Relacionados