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25 Abril

25 de Abril: Quando são os EUA que desmentem a reação…

O jornal AbrilAbril iniciou a publicação de uma série de livros com a tradução dos telegramas enviados pela Embaixada dos EUA para o respectivo Departamento de Estado durante a Revolução portuguesa. O primeiro volume publicado cobre o período entre o 25 de Abril e a derrota do Golpe Palma Carlos, em Julho de 1974.

O livro em nada é sensacionalista. Não há grandes segredos, revelações escabrosas ou factos novos. É simplesmente o relato, pela Embaixada, do processo revolucionário português. Mas talvez por isso foi publicado: porque esse singelo relato contradiz em absoluto a estória que a ideologia dominante conta hoje em dia.

Sobre o Golpe Palma Carlos teremos o prazer do mesmo nos ser contado, à mesa, por Mário Soares, que na noite de 11 de Julho de 1974, dia da tentativa de golpe, foi jantar à residência do Embaixador dos EUA. Um golpe cujos objectivos já nos tinham sido anteriormente explicados por outro recorrente informador da Embaixada, Mota Amaral, que viria a ser fundador do PSD e presidente do Governo Regional dos Açores, e que dias antes explicara à Embaixada que Spínola iria «enfrentar e remover o MFA da cena política». 

O Golpe Palma Carlos passou pela tentativa de impor uma alteração Constitucional que permitisse: (1) Realizar eleições quase imediatas para a Presidência da República, na expectativa de entronizar Spínola; (2) Adiar as eleições para a Assembleia Constituinte para 1976; (3) Aumentar os poderes do 1º Ministro do Governo Provisório, para que este pudesse governar sem necessitar de gerar consensos num governo que, à época, incluía PS, PSD, PCP, MDP e mais alguns militares. Os autores do golpe são Spínola, Sá Carneiro (então Vice-Primeiro Ministro) e Palma Carlos, e a sua derrota afastou os dois últimos do governo. 

O conjunto de informações que a Embaixada recolhe sobre o Golpe Palma Carlos, de cujos contornos está completamente ciente antes mesmo dele acontecer, contrasta com a completa surpresa que foi para a Embaixada o 25 de Abril e os seus contornos, de tal forma que quase só um mês depois é que a Embaixada se apercebe da diferença entre o MFA e a Junta de Salvação Nacional. Isto demonstra que o MFA não sentiu necessidade de se apoiar na Embaixada dos EUA para organizar o Golpe de Estado. O que muito abona a favor dos militares do MFA e do carácter nacional e popular da iniciativa que tomaram. Ao contrário de todos os golpes contra-revolucionários, cujos autores jantam ou almoçam regularmente na Embaixada, pedem conselhos, orientação e apoio. Aliás, o próprio Embaixador dos EUA irrita-se com os grandes empresários portugueses, que um mês depois do golpe já pediam a intervenção americana «Os banqueiros e empresários portugueses, mimados e protegidos pelo velho regime, parecem gastar o seu tempo a acenar para nós sobre como nós os devemos salvar em vez de se organizarem com eficácia para enfrentar as ameaças colocadas por um ambiente político completamente novo e fluído.»

A derrota do Golpe Palma Carlos leva à queda do I Governo provisório e à nomeação do II, que será presidido por «um homem do MFA» como se definiu Vasco Gonçalves, quando lhe pediram, muitos anos mais tarde, para o fazer. 

Este novo Governo Provisório, que continuava a contar com a participação de PS, PSD e PCP e onde aumentava o peso de militares do MFA, é apresentado ao Departamento de Estado desta forma: «O novo governo português sem dúvida que seguirá com maior vigor o Programa do MFA no que respeita à democratização da vida política e social portuguesa, e nesse sentido aparecerá como «de esquerda» para os interesses entrincheirados da era de Salazar – Caetano.»

O que também não deixa de ser impressionante é a clareza com que, desde o início, a Embaixada tem claro quem são os seus inimigos: o PCP e o sindicalismo de classe, protagonizado pela Intersindical. Só no próximo livro a Embaixada se aperceberá que a este eixo há que juntar o MFA – a reacção portuguesa apercebeu-se disso muito antes da própria Embaixada. No fundo, que o inimigo do imperialismo e dos exploradores era a aliança Povo-MFA. 

E pelo meio vamos tropeçando na descrição de um processo vivo, contraditório, concreto. Conhecendo homens que um dia alertam a nação contra os políticos vendidos ao estrangeiro, tentando lançar o espantalho anti-comunista, e no dia seguinte estão a jantar numa Embaixada estrangeira a pedir a intervenção militar contra Portugal; conhecendo dirigentes do Estado português que revelam todos os segredos a uma embaixada estrangeira, incluindo sobre o que o Estado português está a negociar com essa potência; vendo como a Embaixada se apressa a chamar a Portugal um conjunto de «especialistas» em dividir o movimento sindical; percebendo como os movimentos de libertação desejam manter relações profundas e mutuamente vantajosas com Portugal, mas é o imperialismo e a reacção que insistem em planos neocoloniais. E lemos, da pena do próprio Embaixador, como são falsas ou amplamente exageradas as sistemáticas campanhas contra o PCP.

Descarreguem gratuitamente no site do AbrilAbril e leiam. O próximo volume está prometido para 28 de Setembro.

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