Entrevista

Festa do Avante

A Festa do “Avante!” é uma exceção?

Sexta-feira, 4 de setembro, será o primeiro de três dias de Festa do “Avante!”, o histórico evento político-cultural comunista que atrai multidões há 44 anos. Há muito mediaticamente discreto, este ano tornou-se, porém, um dos assuntos de maior destaque em virtude da sua realização em contexto pandémico. A Voz do Operário falou com Ricardo Costa, membro do Comité Central e dirigente da Organização Regional de Lisboa do PCP sobre esta decisão do partido.

Ricardo Costa, membro do Comité Central do PCP e da Direção da Organização Regional de Lisboa do PCP.

Comecemos pela pergunta óbvia: por que é num contexto como o que vivemos o PCP decide fazer a Festa do “Avante!”?

O PCP decidiu a realização da Festa do Avante muito tempo antes da situação que vivemos hoje, com as questões da Covid-19. Decidimo-lo e depois fomos acompanhando a evolução da situação e entendemos, mesmo no quadro em que estamos, realizar a Festa. Tomando, para isso, todas as medidas necessárias que procurem garantir a saúde de quem lá está, com os cuidados e as medidas que corresponderão àquilo que está hoje legislado e visto para eventos da natureza da Festa do “Avante!”. Com a particularidade de a Festa do “Avante!” não ser um festival de verão, como é tantas vezes confundido atualmente pela comunicação social, que procura sempre colá-la a esse estilo ou forma de organização.

Mas por que é que o PCP considera que a Festa do “Avante!” não é um festival?

Em primeiro lugar, porque tem a componente política que é fundamental, um momento político importantíssimo na vida do país e na afirmação do projeto e do ideal comunista. E depois porque vai muito além daquilo que é o típico festival de verão que estamos habituados a ver, [tem] nomeadamente, a música, o teatro, o cinema, a gastronomia, o artesanato. Temos toda a dimensão cultural do país, toda a dimensão gastronómica do país. Podem assistir e viver todas as experiências dessas terras, os viveres desse povo, dessas gentes. Isso não encontra paralelo em nenhum festival de verão. Além da sua dimensão, da importância que ela tem no panorama nacional. É o maior evento político-cultural do país.

A Festa do “Avante!” é uma exceção?

Claro que não. O Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, ainda agora afirmou, num comício em Nisa, que nós não queremos nenhuma exceção para a Festa do “Avante!” mas também não aceitamos nenhuma regra discriminatória que implique colocar-nos regras diferentes daquelas que estão a aplicar a eventos de outra natureza, eventos com gente, com pessoas. E, na verdade, a Festa não tem nenhum carácter excecional, a lei permite-a, está estabelecido no quadro legal. 

Os festivais de música que foram cancelados também se podiam fazer. A realidade desses festivais é que não se fizeram simplesmente porque, em primeiro lugar, as bandas que estavam para vir não teriam agenda para vir noutra data, havia um conjunto de limitações à circulação dessa gente, circulação entre países, que limitaria também a participação dessas bandas; e, em segundo lugar, porque eles visam o lucro e, portanto, visando o lucro seria muito difícil conseguir aquilo que nós conseguimos com a Festa a partir do trabalho militante, da organização, da experiência e do contributo solidário de cada camarada e amigo. Naturalmente que eles não teriam essa capacidade de organização para realizar um evento.

Mas como é que neste contexto os grandes empresários dos festivais não conseguem realizar os seus eventos e o PCP consegue?

Através do trabalho militante. Quando termina uma Festa do “Avante!” começa logo a construção da seguinte com a desimplantação do espaço e  a retirada de todos os materiais. Há um conjunto de camaradas e amigos que oferecem o seu trabalho para a realização daquilo que é a construção da nossa Festa em toda a sua dimensão. Desde a construção das estruturas metálicas dos pavilhões, colocar as madeiras, a decoração política, a limpeza do espaço. Depois há, para além da construção, o funcionamento da Festa, com milhares de turnos assegurados por um conjunto muito grande de camaradas e amigos. A Festa não é uma festa apenas construída e realizada pelos comunistas, é construída pelos comunistas, realizada pelos comunistas, com a contribuição de muitos amigos do Partido que estão connosco.

Há quem acuse o PCP de realizar a Festa do “Avante!” porque precisa do dinheiro para se financiar.

Não teria mal nenhum se a Festa do “Avante!” fosse uma fonte de receita para o Partido porque ela é uma fonte de receita a partir da contribuição de quem lá vai e, ao contrário de outros, que beneficiam de contribuições de grandes grupos económicos, isso ali não acontece. Mas não é essa a realidade, o Partido não faz a Festa pelo objetivo financeiro. Realiza-a acima de tudo pela afirmação do seu projeto, do seu ideal, e pela possibilidade de ter na Quinta da Atalaia e na Quinta do Cabo um conjunto de pessoas a viver a vida do nosso país, a experienciar aquilo que é a vida coletiva dos comunistas, aquilo que é um espaço aberto em que as pessoas se sentem de forma igual e que, participem nessa vida, nesse experienciar do dia-a-dia da nossa Festa, que também projeta um bocadinho aquilo que nós pretendemos de uma sociedade diferente. 

Outra das acusações é que o PCP não paga impostos. É verdade?

O PCP paga impostos em diversas dimensões. A lei define para os partidos políticos o conjunto dos impostos que têm que pagar e, nesse quadro, o PCP nas suas contas apresenta o pagamento de impostos. Até há a mistificação com as questões do IMI, com a ideia de que o PCP não paga IMI, quando as nossas contas refletem o pagamento de IMI do património do Partido. E a Festa também paga impostos. Não somos diferentes dos outros. E somos conhecidos por isso mesmo, não é? É reconhecido o papel do Partido tanto com fornecedores como outras entidades, a quem o Partido não deve, ao contrário de outros.

Uma das informações que circula nas redes sociais é que o lucro da Festa do “Avante!” corresponde à venda das entradas e a tudo o que se vende.

Se tomarmos a venda de bilhetes e a receita feita na Festa e não lhe deduzirmos nenhuma despesa, dá isso. Naturalmente, no nosso orçamento familiar, se só tivermos receitas e não deduzirmos nenhuma despesa, estamos ricos. Na realidade, a generalidade dos trabalhadores portugueses estão pobres, mesmo trabalhando. A realidade também se coloca relativamente à Festa porque se não calcularmos todos os materiais que são gastos no contexto da construção da Festa, o resultado é sempre positivo. A realidade não é essa.

Recinto total da Festa do Avante tem 30 hectares, equivalente a mais de 35 campos de futebol de 11.

Há um parecer da Direção Geral da Saúde com orientações para a Festa do “Avante!”. São muitas as alterações promovidas pelas autoridades?

Em primeiro lugar, não é a primeira vez que a DGS tem uma articulação direta com a Festa. Todos os anos a Delegada de Saúde e o conjunto das organizações estatais que têm que fiscalizar eventos como a Festa do “Avante!” nos visitam. Procuram ver as condições em que ela está e daí resulta um parecer favorável ou não à sua concretização, ou melhoramentos que tenham que ser feitos. Este ano não é excecional, o que é excecional é a situação em que estamos que obriga a medidas extraordinárias. Eu diria que nós estamos num quadro igual ao dos anos anteriores mas não é só resultante daquilo que a DGS tem vindo a colocar porque muito antes de haver esta articulação que se tem vindo a fazer, já o Partido tinha decidido um conjunto de medidas que procuravam criar as tais condições que dizia no início para defender a saúde no quadro da situação em que vivemos. 

Pode enumerar algumas medidas?

Desde o início que anunciámos que teríamos, no espaço da Quinta da Atalaia e da Quinta do Cabo, mais condições para a higienização das mãos, distribuição de pontos de álcool gel, a necessidade de, em espaços fechados, utilizar máscara. Alterámos as condições do Avanteatro e do Cineavante que aconteciam em espaço fechado e passam para um espaço aberto, ao ar livre, com as medidas necessárias de distanciamento físico entre as pessoas. Vamos ter ainda camaradas a orientar espetadores nas plateias dos palcos. Eu diria que é natural que algumas das questões preocupem as pessoas mas em conjunto com a DGS temos procurado responder a todas elas.

(…) as pessoas não estão votadas ao trabalho, à vida do trabalho para casa e de casa para o trabalho, não estão votadas a perder os seus direitos, a ver os seus salários desaparecer, ao desemprego

O PCP não tem a preocupação de que a Festa do “Avante!” resulte num enorme prejuízo político?

Há quem queira comparar o resultado da Festa com resultados eleitorais, há quem queira pôr já em cima da Festa do “Avante!” e do PCP uma imagem, daqui em diante, para a opinião pública. Para nós o mais importante com a realização da Festa é o sinal que damos para a sociedade. É a ideia de que as pessoas não estão votadas ao trabalho, à vida do trabalho para casa e de casa para o trabalho, não estão votadas a perder os seus direitos, a ver os seus salários desaparecer, ao desemprego. E, portanto, esta ideia de que é possível continuar a vida, é possível levar a nossa vida, mesmo no quadro em que estamos, e que é preciso que a sociedade continue e que o caminho se vá fazendo, nomeadamente com o trabalho, o desenvolvimento da economia, com a valorização do trabalho e dos trabalhadores e, naturalmente, com a sua luta em defesa dos seus direitos, é um elemento essencial. Porque aquilo que hoje procuram fazer quando tentam condicionar a Festa do “Avante!” é procurar também contribuir para condicionar a ação e luta dos trabalhadores. E isso é que o PCP não pode permitir e, portanto, naturalmente, usaremos também a Festa para mostrar que é possível continuar, cumprindo todas as regras num momento difícil da vida nacional. Tendo esse cuidado, as pessoas hoje vão trabalhar todos os dias, vão muitas vezes trabalhar enfiadas em comboios sobrelotados, em carreiras sobrelotadas, chegam aos locais de trabalho e não têm condições. Na Festa do “Avante!”, isso não vai acontecer mas o sinal essencial que estamos a procurar dar é este sinal de rutura, este sinal de necessidade das pessoas continuarem a sua vida e de estarem preparados para aquilo que aí vem e tudo aquilo que fomos vendo já durante estes meses não abona nada a favor dos trabalhadores.

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